Invencível, por Aline Salcedo

Julia Zanolli

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Já contamos a história da jornalista e maratonista Aline Salcedo aqui no JQC. Em pouco mais de um ano de treino, ela foi do sedentarismo à linha de chegada da Maratona de Chicago. O atropelamento por uma bike, a cirurgia e 10 pinos de aço no braço foram só alguns dos perrengues que apareceram pelo caminho. 

Aline no hospital, logo depois do acidente
Aline no hospital, logo depois do acidente

Por isso, ninguém melhor do que ela para contar com exclusividade o que viu na cabine de lançamento do filme “Invencível”, que traz a história do corredor olímpico Louis Zamperini, falecido no ano passado. Seguindo na toada dos filmes em temporada pré-Oscar, confira abaixo as impressões de Aline. 

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A trajetória de Zamperini chegou nesta quinta-feira (15) aos cinemas brasileiros com o filme Invencível, segundo longa sob a direção de Angelina Jolie, com roteiro dos irmãos Cohen e três indicações ao Oscar (fotografia, mixagem e edição de som). A obra é baseada num best-seller com o mesmo nome (Unbroken no original em inglês –Inquebrável), que foi lançado em 2010 e esteve na lista dos mais lidos do New York Times por 145 semanas, tendo vendido mais de 3,5 milhões de exemplares desde então. 

É impressionante a história de Louis Zamperini, americano filho de imigrantes italianos, que além de atleta olímpico, ainda virou heroi de guerra após ter conseguido, sabe-se lá como, sair vivo da II Guerra Mundial, tendo passado por um bombardeio aéreo, 47 dias à deriva quase enlouquecendo sob sol e mar, e mais dois anos de torturas e humilhações como prisioneiro dos japoneses.

Mais difícil do que ser corredor olímpico é sobreviver à guerra (Foto: AP)

Na telona, 90% é dedicado ao período da Guerra e todo o sofrimento inimaginável a que uma pessoa pode resistir. Mas foi o início, contando como Zamperini virou corredor por acaso, que mais me tocou. Porque é aquilo que, para mim, explica como ele conseguiu sobreviver. “A corrida me ajudou a enfrentar a dor”, declarou o atleta, em uma entrevista à Folha de São Paulo sobre o livro anos atrás. E foi essa a sensação que eu tive.

O filme começa com Zamperini moleque, rebelde, sem rumo, tomando cascudos dos “amigos” de escola por ser filho de imigrantes e de birra com os pais. Totalmente do contra. Até que o irmão mais velho se impressiona ao vê-lo fugindo disparado de alguma encrenca e resolve colocá-lo para treinar corrida para valer. Claro que ele tenta se esquivar da rotina, mas rapidamente toma gosto pelo esporte. “A corrida vicia”, diriam hoje. 

Mas o fato é que, com a corrida e os treinos, ele vira um menino disciplinado, cheio de vontade e garra de viver e acredita cada vez mais no quanto é capaz de vencer. Até quando parece impossível, Zamperini ultrapassa os adversários. É aquele corredor que dá o sprint final para surpreender. E assim, chega logo à sua primeira Olimpíada, Berlim 1936, classificado para os 5000 metros rasos. Não é difícil concluir que o esporte o salva de uma vida medíocre para torná-lo um campeão.

Choro que nem criança quando vejo alguém sendo “salvo” pela corrida. Fico pensando na minha história, que nem se compara e é uma verdadeira molezinha perto disso. Quem me dera ser invencível. Mas é que, até hoje, meus amigos se surpreendem por eu ter corrido minha primeira maratona. Eu era uma jornalista boêmia e fumante. Comecei a correr e fui atropelada 10 dias depois. Me recuperei e segui em frente. Larguei emprego, namorado, cigarro. Dando tudo errado ou tudo certo, eu ia em frente, a corrida me salvava.

Perdi meu pai um mês antes da maratona de Chicago. Mas fui lá, ainda cheia de dor física e emocional. “Você completou?” é a pergunta que mais ouço. “Foram quantos quilômetros?”. E quando eu respondo 42km e 195 metros, confesso que até eu mesma me assusto. Porque, às vezes, nem eu sei explicar como consegui.

Claro que teve treino, preparo intensivo, técnicas. Mas tem algo mais, algo imensurável que só quem corre consegue entender. É a mente guiando, o coração, a fé, e não só as pernas. Eu tinha absoluta certeza de que completaria uma maratona mesmo quando não tinha nem começado a treinar. Quem sabe, talvez tenha sido esse o sentimento do Zamperini. O da certeza inabalável de que sobreviveria até o fim.

Queria ter visto mais cenas dele correndo feliz em Berlim, nisso confesso que, como corredora, fiquei decepcionada. Porque no livro há várias boas histórias, como o “selfie” que ele faz com Hitler, e os treinamentos insanos que ele mesmo criava.

Zamperini morreu aos 97 anos em sua casa, nos EUA (Foto: AP)
Zamperini morreu aos 97 anos em sua casa, nos EUA (Foto: AP)

Mas, voltando ao filme, é duro ver Zamperini ter sua carreira interrompida ao embarcar para a Guerra. Ele vai animado, na maior fé de que em breve irá correr na Olimpíada de Tóquio. No Havaí, mesmo depois de treinamentos ou algum combate, ele não abandona os treinos. Os amigos o incentivam e medem seu tempo o acompanhando de jipe. Até que, em uma missão de resgate, o avião de sua equipe é atingido e cai no Oceano Pacífico.

É chocante o que vem depois. Ele e mais dois amigos num bote inflável, lidando com a fome, a sede, chuva, tempestades, ondas, tubarões, o sal e o sol destruindo corpo e mente. Segundo registros, Zamperini perdeu cerca de 30 quilos, metade de sua massa muscular.

Ele sobrevive a 47 dias no mar, até ser resgatado pelo inimigo e virar prisioneiros dos japoneses. Ele vai definhando ainda mais, sofrendo torturas constantes até o fim da guerra. É impressionante como ele sobrevive ao massacre físico e emocional. A  frase dele dizendo que a corrida o ajudou a superar a dor nunca sairá da minha cabeça. Ficou molezinha mesmo fazer uma maratona depois dessa.

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Julia Zanolli

Julia Zanolli começou a correr em nome do bom jornalismo quando foi trabalhar na revista Runner’s World sem entender nada do assunto. A obrigação virou curtição, mesmo depois de sair da revista. Se livrou do carro para poder andar a pé pela cidade, mas é fã assumida de esteira. Prefere falar de comida do que de nutrição e acha que ter tempo é muito melhor do que matá-lo.

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