No limite

Paulo Vieira

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Está em cartaz nos cinemas Whiplash – Em busca da perfeição, um filme bacana mas totalmente esquemático cujos protagonistas são um baterista adolescente muito talentoso e seu professor, líder de uma orquestra de jazz. Fletcher, o professor, diz a fotogramas tantos:  “Eu nunca tive um Charlie Parker. Mas eu tentei. Eu realmente tentei pra caralho. Fiz muito mais que do que nego jamais fez na vida.”

A anedota de como Charlie Parker se tornou quem se tornou, um dos mais reverenciados músicos de jazz da história, o John Sebastian Bach do jazz (e que foi para a tumba e para o panteão prematuramente, aos 34 anos, levado pela heroína e outros hábitos comuns dos anos 1940-50) é citada, recitada e outra vez citada no filme por Fletcher.

Como você pode ver no trailer abaixo, que, de resto, tem praticamente todos os diálogos essenciais do filme.

Mas Fletcher não apenas conta ao pupilo Andrew a tal anedota: de como Charlie Parker, então com 16 anos, teve de se desviar de um prato de chimbal atirado em sua direção pelo baterista Jo Jones por ter perdido o tempo numa música; Fletcher faz ele também questão de jogar um prato em Andrew.

(O prato não foi na direção do pescoço, como hiperbolizado no filme, mas no pé de Parker; de qualquer forma, segundo o biógrafo Ross Russel, Parker disse então as palavras bíblicas: “I’ll be back”)

A sequência de humilhações de Whiplash chega a ser alegórica – há várias no trailer acima – e são bem representadas por esta fala de Fletcher: “Não há duas palavras na língua inglesa mais danosas que ‘good job'”.

Se aos 16 anos em vez de ter de salvar a pele de um golpe de chimbal, Parker ouvisse de Jo Jones um “good job”, eis o ponto de Fletcher, “Bird” não seria quem seria.

Ser submetido à exaustão física e principalmente psicológica não costuma ser a pedagogia imposta pelos treinadores nem aos atletas de alta performance, quanto mais aos corredores diletantes como eu e você.

Mas acho interessante especular aqui: será que nos tornaríamos corredores melhores – ou muito mais competitivos – se fossemos ameaçados de ser “talhados como um porco”?

O sul-africano Tim Noakes, um dos mais respeitados fisiologistas e cientistas do exercício do mundo, sustenta que a exaustão física é subordinada  a outra exaustão, a mental. Por isso, referendando a pedagogia de Fletcher, você também poderia ir além do que acha possível suportar. “Na parte final de uma corrida, a cabeça do segundo colocado e dos que chegam depois simplesmente desistem de ganhar. A do vencedor, não”, diz Noakes.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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