NA VIRADA DE 2013 PARA 2014, quando se dizia “Não vai ter Copa”, o Brasil era um tantinho melhor do que neste julho de 2016, a um mês das Olimpíadas. Ninguém disse ainda “Não vai ter Jogos”, mas o tal legado olímpico, mais do que o superfaturamento e a inutilidade dos estádios da Copa, assusta: nada se faz para minorar a poluição das águas do Rio, o estado não paga seus funcionários, moradores foram removidos de suas casas, a especulação imobiliária segue a dar as cartas.
E a violência, cereja do bolo, recrudesceu. A conta da Olimpíada já ultrapassa os 38 bilhões de reales nas contas oficiais.
Mas alegrai-vos! Longe do Rio, a tocha percorre o Brasil com festa e espocar de fogos. Desde maio, quando foi recebida ainda por Dilma, em Brasília, ela faz um périplo por todos os estados brasileiros. Ao final, 12 mil condutores erguerão 12 mil tochas.
Nenhuma desses artefatos pode correr simultaneamente. E como ela não tem pavio e funciona a gás, não é preciso que a tocha anterior toque a seguinte para que o “fogo sagrado” se recoloque em marcha. Cada um dos 12 mil condutores pode ficar com o suvenir, mas para isso vai ter de desembolsar cerca de R$ 2 mil – ou mendigar uma cortesia dos patrocinadores.
O paulistano Alexandre Martini é um desses 12 mil condutores. Ele não estava escalado originalmente. Era um “stunt”. Em Cascavel, no interior do Paraná, foi chamado para substituir um dos carregadores oficiais, que farrapou.
Martini segue a tocha por todo o Brasil e estava a postos. Contratado pelo Bradesco, seu trabalho é chegar antes da tocha, diariamente, nas agências do banco da cidade por onde irá passar o fogo sagrado e “fazer ativação”, ou seja, mobilizar gerentes e funcionários, ver se tudo está nos trinques para o mise-en-scène do Beijo da Tocha e coisas do tipo.
SANDRA ANNENBERG SEGURA A TOCHA
JQC EM OLYMPIA, NA GRÉCIA, ONDE TUDO COMEÇOU
Claro que ele adorou segurar a treta por 200 metros. “Antes de receber o fogo, a gente já fica posicionado com a nossa tocha e vem muita gente fotografar e cumprimentar. É muito doido”, disse, por telefone, de Passo Fundo (RS), onde estava ontem.
Martini conta que, nessa hora das fotos, antes de receber o fogo, tem orientação para não deixar ninguém segurar a tocha – a ideia é evitar que alguém suma com ela; com ela acesa, deve correr “nem muito rápido nem muito devagar”.
Disse também que ninguém informa com qual mão se deve segurar a tocha, apenas que não se deve erguê-la demais. Destro, usou a mão direita.
Cheio de amor para dar, Martini recebeu a tocha de uma “garota bonita”, mas que não estava muito a fim de “confraternizar”. No meio de seus talvez 3 minutos de celebridade – ele não sabe dizer quanto tempo durou o ato –, Martini percebeu que estava rápido demais.
“Vi a galera do meu lado e me liguei, aí diminuí”. Antes de parar, ele se virou para os quatro lados e agradeceu a todos os cidadãos de Cascavel que naquele momento, felizes e emocionados com a visita do símbolo olímpico, o aplaudiam intensamente.
Como vai até o Rio com a tocha, ele só encerra sua missão daqui a um mês, na abertura dos Jogos. Assim, seu trabalho como sommelier de cerveja ficou um tanto prejudicado. Preferiu não recomendar nenhuma IPA para os amáveis leitores deste pasquim. “Fiquei meio desatualizado.”
Um custo realmente pequeno para o que ele vem tendo o privilégio de testemunhar: a felicidade sem peias de populações diante de um símbolo, portanto uma ideia abstrata, de paz e felicidade. Por alguns fugazes momentos, um mundo melhor parece possível para esses brasileiros.