Wallace e a lagosta do Guido

Paulo Vieira

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Alguns dos melhores textos jornalísticos que li recentemente estão na coletânea Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo, do americano David Foster Wallace, bastante falado recentemente no Brasil por conta do lançamento em 2014 do catatau Infinite jest, seu grande romance. A compilação, feita pelos escritores Daniel Galera e Daniel Pellizzari, é precedida de um excelente texto de apresentação de Galera sobre Wallace.

Estão lá Pense na lagosta e Uma Coisa supostamente divertida que eu nunca mais vou fazer, a primeira a cobertura do tradicional festival anual da lagosta do Maine para a revista Gourmet (do grupo Condé Nast), que está aqui, neste link da revista Piauí, texto arrebatador, de uma capacidade descritiva impressionante.

Mesmo tendo sido pautado por uma decana revista de gastronomia americana, Wallace acaba por sugerir ao leitor efetivamente pensar na ética de seus hábitos alimentares. Isso sem nenhuma ambiguidade.

O escritor toma posse de aparentemente todos os dados científicos possíveis sobre a lagosta, especialmente sobre sua capacidade de sentir dor. Como se sabe, lagostas (e caranguejos) são cozinhadas vivas, e não é pouco o esforço do animal em tentar se livrar da panela de água fervente.

Mas Wallace não editorializa, como se propagasse a ideologia de uma entidade de defesa dos animais ou do vegetarianismo. Na verdade, ele lembra ao leitor com insistência de sua condição de contratado de uma célebre revista gastronômica e de seus próprios hábitos alimentares comuns. Segue aqui também a versão original, do site da Gourmet.

É muita coisa para um texto só, um trabalho tão espetacular que tem o condão de levar sujeitos como eu rapidamente do êxtase à total depressão – quando penso quão longe estou de um resultado como esse.

Falo tudo isso com o pé metido na areia fofa de uma das praias mais bonitas do Brasil, Espelho, no sul da Bahia. Não degusto lagostas nesse momento, embora não tenha me furtado a comer algumas do Guido, lá de Boipeba, outro lugar igualmente espetacular do litoral baiano.

Pense (uma coisa boa)/Foto: Bruno Agostini (with love)
Pense (uma coisa boa)/Foto: Bruno Agostini (with love)

A lagosta chega fresca todos os dias e o Guido, que agora tem uma casinha pé-na-areia (antes as mesas ficavam nas copas das árvores para a maré não levar), as grelha numa fogueira incrivelmente mambembe (e por isso, sofisticada) feita com palha de coqueiro.

Wallace não estava na minha pauta mental nestes dias, mas acho que a beleza destas paragens de Pero Caminha despertaram o monstro.

 

 

 

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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