Spartathlon. Ultramaratona para quem definitivamente não é doente do pé. E não muito são da cabeça. De Atenas a Esparta, as duas cidades-estado gregas, capitais da Antiguidade, são 246K e uma altimetria cabulosa que devem ser vencidos em no máximo 36 horas. Cada trecho tem seu tempo máximo.
Os primeiros 81K até Corinto, por exemplo, devem ser concluídos em no máximo 9 horas e meia. Se você conseguir rodar a 10k/h de pace médio talvez consiga tirar um cochilo de 1 horinha (e quem sabe sonhar in situ com o sermão do Apóstolo).
Uma brasileira persegue o sonho de concluir a prova desde 2012. Mas a paranaense Zilma Rodrigues ainda não chegou lá. Naquele ano, sentiu fome e ficou receosa de sofrer um desmaio; em 2013, cometeu um erro de cronometragem, absolutamente risível, que resultou em desclassificação; este ano esteve mais perto do objetivo: abandonou no 195K por conta de dois dedos rasgados e a sola do pé em carne viva.
“Corri com o pé de lado por 20K, mas chegou uma hora que não deu mais.”
Zilma diz que não ficou se lamentando, mas é fácil deduzir que tenha ficado bolada, considerando que havia vencido mais de 80% do desafio.
Perguntei a Zilma o que ele pensou, ou lembra de ter pensado, em seus solitários 195K, achando que ela pudesse ter sofrido com alguma pane mental. Perguntei que assunto lhe vinha à cabeça durante a Spartathlon.
“Não penso em assuntos. Só faço cálculos mentais de quanto já avancei e quanto me resta até a chegada considerando o meu ritmo. Me elogio por ter chegado até ali e calculo tudo de novo.”
A aspa deve soar incrivelmente familiar para quem corre longas distâncias, pois é possível mesmo não ir muito longe com a cabeça nessas horas, mesmo com o generosíssimo tempo e o silêncio que se tem à disposição.
Deve soar também como um incrível tempo, uma incrível oportunidade perdida de autorreflexão para quem não corre.
Zilma não imputa à cabeça suas três desistências. Absolutamente. Nesse sentido, sua “estratégia mental” deve ser incrivelmente poderosa.
O Dr. Tim Noakes faria bem em conhecê-la.