Gim-tônica

Paulo Vieira

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Há muitas coisas boas em não ser um corredor heavy user. Uma delas é não correr risco de cair em overtraining, a sobrecarga que leva a coisas terríveis como piora do sono e enfraquecimento geral do sistema imunológico.

Não que corredores heavy users vivam caindo em sobrecarga. Conhecedores do próprio corpo, de alguma forma sabem encontrar os limites e não avançam muito para além da twilight zone.

Uma alternativa ao seu longão

O meu problema é de outra ordem. Ando cabulando corridas. Ontem, havia sido convidado para um simulado da São Silvestre. A prova começava às 6h30, mas isso a princípio não me pareceu um óbice.

Também via mais virtudes do que vicissitudes em ir a Salesópolis, a 120 quilômetros de casa, para um 11K em torno da nascente do Tietê, também programado para o domingão.

E tenho, como todos sabem, o Pico do Jaraguá no campo de visão.

Mas acrescentei 0K a meu scout no dia da graça de ontem.

Um álibi: na véspera, no sábado chuvoso, fui à Cantareira, locus do tão falado sistema de abastecimento de água homônimo, para dar uma força num casamento que minha prima acolhia em seu restaurante, o mágico e lindo Quinta da Canta.

Os garçons haviam dado um perdido nela, e Tereza precisou recorrer à família.

O pessoal, os convidados, mandaram bem no gim-tônica e no espumante, e eu pude sentir um pouco do que é estar literalmente do outro lado do balcão.

No trato com este improvisado barman, um pequeno manual das relações humanas: gente que pedia seu drinque sempre precedido de um “por favor”; gente que apenas mostrava o copo vazio à guisa de “enche aí; um careca que olhava para seu drinque assim que o recebia de minhas mãos como a procurar um defeito inaceitável; gente que forçava uma intimidade por estar na minha frente pela trigésima vez pelo mesmo motivo; e gente que se sentia genuinamente agradecida por estar sendo servida naquele momento tão importante e festivo.

O careca supracitado desenvolveu essa afetada reação pavloviana por ter sido a primeira vítima de meu gim-tônica, feito na proporção 1:1. Ele talvez preferisse 1:2 ou 2:3. Também empurrou a rodela de limão para dentro do copo, como o barman devia ter feito – e eu fiz, a partir daí.

Já o Bruno, o noivo, esse não se furtou a agradecer a todos que trabalharam naquele dia, e todos aqui não é figura de linguagem. Não apenas uma, mas muitas vezes. Foi muito gratificante ser alvo de sua gratidão.

O simulado da SS certamente daria uma boa história para contar aqui. Mas não ficarei bolado se tiver de sacrificar outras corridas para aumentar meu scout de gim-tônicas.

Vou à Amazon agora encomendar o Michael Jackson.

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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