Todos a esta altura já devem ter visto um comercial da Olympikus que estreou ainda antes da Copa: uma rapaziada corre pelo Rio de Janeiro e fala qualquer coisa como “você foi feito para estar aqui fora, correndo” e “parece que a rua sempre chama você”.Bem, Serginho Xavier, sempre ele, já falou com propriedade sobre isso aqui.
Atrasado como de costume, aproveito o mote para introduzir um grande amigo jornalista que há uma data atendeu o tal chamado. Ignoro se tenha corrido alguma vez na vida. Mesmo longas caminhadas parecem não ser afeitas a ele. Pena, pois certamente exultaria com dias peripatéticos.
Eduardo Rascov é formado em filosofia pela Usp e estudou jornalismo comigo na PUC-SP. Ganha a vida como chefe de imprensa do Memorial da América Latina, em São Paulo, esse gigante branco, esse Niemeyer tardio que ele respeita e defende. Faz frilas também, especialmente para a “Brasileiros”.
O tal chamado da rua se materializou numa relação que ele travou com Dover Tangará, um sujeito que dormia na rua, na mesma rua do Rascov, em Pinheiros, Sampa.
Dover calhou de ser um dos maiores trapezistas do Brasil, se não o maior, um dos cinco irmãos integrantes do grupo Os Tangarás. Em 1969, em Belo Horizonte, no circo Orlando Orfei, escapou da morte ao se desprender das mãos do irmão Durbis, que o devia segurar, e dar um jeito de se esgueirar por umas cordas até o chão 12 metros abaixo. Virou ali o Homem-borracha.
Há muitos outros episódios que atestam a grandeza dos Tangará. Não me estenderei. Importa dizer que também para Dover o chamado da rua foi muito forte, tão forte que ele jamais a deixou. Seu paradeiro passou a ser ignorado por parentes (que inclui uma sobrinha famosa, a atriz Vic Militello) e amigos. Às vezes Rascov o buscava, mas não o encontrava.
O fato de ter virado o heroi da biografia romanceada de Rascov não mudou muito seu destino. Morreu sob circunstâncias não esclarecidas, aparentemente em consequência de uma briga, num conjunto habitacional da Zona Norte de São Paulo, alguns anos depois de “O filósofo voador”, o livro de Rascov sobre ele, vir ao lume.
A obra, editada pela Terceira Margem, foi impressa com 15 mil pratas do Programa de Ação Cultural da secretária de Cultura do Estado de São Paulo, grana que Rascov levou por vencer um concurso em 2009.
Não me ocorreu falar de Rascov até estes dias, quando mais uma vez passei pela rua Costa Carvalho, também em Pinheiros, nas cercanias do edifício perdulário que tem como inquilina a Editora Abril. Numa das calçadas se instalou uma senhora de feições indígenas que passa o dia ali agachada, em meio a seu pequeno monturo. Jamais a vi fora dali, onde dorme, come e talvez também se alivie.
Ao passar por ela já emiti alguns exórdios constrangidos, um bom dia aqui, boa tarde acolá, que ela não retribuiu.
Nenhum amigo da Abril travou contato com ela.
Quem irá escrever sua biografia?
A rua nos espera. Será melhor atender o chamado?
O comercial citado, abaixo:
Já corri, sim. Ainda corro pela vida, olhando dos dois lados. A procura continua…
Sou publicitário e adoro esse comercial! Traduz bem o que eu sinto quando sinto falta desse esporte. É um dos melhores vídeos motivacionais para corredores.
Quanto a obra, não conheço. Pela sua curta resenha, parece interessante.
http://www.acru.com.br