Fumante, corredor e baita repórter

Julia Zanolli

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O Felipe Zylbersztajn tinha potencial para ficar viciadão em endorfina desde os tempos em que a gente trabalhava na Editora Abril. Era curioso, vinha no canto da redação e fazia umas perguntas de treino de vez em quando. Para mim, era sinônimo de bom texto e boa vida, com o cigarro sempre por perto. Mas perdemos contato depois que ele saiu da Abril e, admiravelmente, foi atrás de fazer o que gosta. Até que o Zylber resolveu correr sua primeira prova, no Circuito das Estações, neste domingo, 16 de março.

Nos encontramos por coincidência há alguns dias e reparei que ele estava mais magro. “Esse fim de semana vou participar daquela corrida”, contou, todo pimpão. Aliciei o rapaz na hora para contar essa história no JQC. E perguntei se ele já tinha dado uma olhada no percurso da prova. “Ainda não… mas vou olhar, vou olhar”. Com vocês, o honesto relato do bravo repórter fumante que vai estrear nas corridas de rua. Amanhã, depois de cruzar a linha de chegada, ele conta como foi.

*

“Tenho de ser rápido”, eu pensei. Saltei da cama, preparei o café da manhã e chamei a minha mulher. Por volta das 7h30 a gente já estava abrindo as cadeiras na areia vazia. Faltavam dois dias para 2014, e chegar na frente dos outros nas praias de Florianópolis nessa época do ano é uma bela conquista.

Dá pra aproveitar aquela beleza toda sem precisar disputar o espaço do guarda-sol e antes de começarem os berros dos vendedores de CAPETA. Vitorioso, entreguei-me à cadeira de frente para o mar como se estivesse num pódio. Acendi um cigarro e abri meu livro. “O que poderia ser melhor que isso?”, eu pensei. A resposta me veio a um pace de uns 5’/km.

“Que beleza!”, gritei aos dois amigos de São Paulo que marcavam a areia dura da praia com seus tênis de corrida. “Zylber!”, respondeu o Paulo Vieira, com a respiração alterada. O Serginho Xavier foi logo apertando um botão no relógio que carregava no pulso antes de me cumprimentar, pingando suor: “E aí? Vamos com a gente?”, disse ele, educadamente.

É curioso como basta um breve instante para você passar de Rei da Praia a um desgraçado preguiçoso, barrigudo e macilento sob o sol da manhã.

Eu sabia que não poderia acompanhá-los, mesmo sendo uns 15 anos mais novo.

Botei a mão com o cigarro atrás das costas e apontei com a outra mão para a ponta oposta da praia. “Vão lá”, eu disse, “eu atrasaria vocês. Fica pra próxima”. E eles foram. Eram 8h do dia 30 de dezembro de 2013 e eu já tinha minha primeira resolução de Ano Novo.

Eu ia correr DE VERDADE em 2014, estava decidido. Falo correr de verdade pois há um ano e meio eu fiz alguns exames médicos, comprei tênis, comprei frequencímetro, comprei meias sem cano, comprei camisetas desse tecido leve que eu não sei o nome. Baixei o aplicativo da Nike e baixei playlists no meu iPhone (que chacoalha no bolso de trás do meu calção porque não me acostumei com aquele treco no braço) e comecei a tomar isotônico.

Mas aí apareceu um emprego que alterou toda minha rotina. Foi a deixa para eu guardar a cinta do frequencímetro na mesma gaveta onde está a touca que eu havia comprado para as aulas de natação que nunca fiz.

É curioso como basta uma pequena mudança de planos para alguém como eu ter uma desculpa para deixar de fazer uma atividade física.

Mas houve aquele encontro em Florianópolis… Hoje eu corro regularmente no Parque da Água Branca. Gosto de lá porque a gente tem de desviar de um monte de bichos enquanto corre e encaro isso como uma diversão extra no treino. Outro dia eu tive de saltar sobre um pavão adulto para não nocautear três senhoras que ocupavam o passeio com um pace de 26’/km. Eu curti.

Gosto também de passar por baixo daquelas árvores com dezenas de metros de altura e que fazem muita sombra. De passar pelos casais namorando nos bancos, pelo vendedor de pipoca, pela menina aprendendo a cavalgar. Outro dia vi duas senhoras treinando golpes com espadas samurai à sombra de uma cocheira.

Corro sempre de óculos para não perder esses detalhes. No Parque da Água Branca não há muitos corredores de óculos. Não sei o que acontece.

Tento correr diariamente, apesar de já ter lido algumas vezes que o ideal seria fazer isso apenas três vezes na semana.

É curioso como sentir primeira gota de suor caindo do rosto pode me agradar tanto quanto a primeira parcela do salário caindo na  conta.

Há cerca de um mês percebi que a coisa engrenou e resolvi estabelecer uma meta que me incentivasse a continuar indo ao parque.

Fiz minha inscrição nos 5K do Circuito das Estações e baixei uma planilha na internet. Não tenho uma marca de tempo para bater neste domingo. Claro que passei a prestar mais atenção ao meu pace, mas encaro a prova como um meio e não como fim. Ela já serviu como motivo para eu treinar com mais organização e competência. Ela beneficia o meu treino, e não o contrário.

Essa semana fiz duas vezes os 5K com um pace de 6’/km.

Não faço ideia de como será correr com um monte de gente ao meu lado, de onde carregar o tal do chip que marcará o meu tempo, se eu posso usar o frequencímetro ou o meu iPhone, do que a gente sente ao cruzar uma linha de chegada. No fundo, nada disso me importa muito.

É curioso como você pode correr uma prova de 5K  às 7h30 da manhã de um domingo de março em São Paulo com o objetivo de chegar a uma praia de Florianópolis às 8h da manhã do dia 30 de dezembro do ano passado.

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Julia Zanolli

Julia Zanolli começou a correr em nome do bom jornalismo quando foi trabalhar na revista Runner’s World sem entender nada do assunto. A obrigação virou curtição, mesmo depois de sair da revista. Se livrou do carro para poder andar a pé pela cidade, mas é fã assumida de esteira. Prefere falar de comida do que de nutrição e acha que ter tempo é muito melhor do que matá-lo.

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