*Texto de Tatiana Ferraz
“Vamos, chicos! Vamos chicas! Última carreeeeraaaa…..”
Quem já participou de qualquer corrida de rua sabe que sempre tem uns “tiozinhos” e “tiazinhas” gritando “palavras de animação” para os corredores. São palminhas, frases feitas, aquela animação às vezes forçada, mas muito importante para quem está correndo. Confesso que gosto disso e sempre retribuí com sorrisos simpáticos. Mas quando esse “incentivo monossilábico” tem sotaque castelhano… é muito mais legal! Os gritos descritos acima foram dados nos últimos quilômetros da Meia maratona de Buenos Aires, que corri no dia 8 de setembro.
Era minha terceira meia maratona. E, digamos assim, eu ainda não corro os 21K “nadando de braçada”. Começo muito lentamente no primeiro quilômetro! vou encontrando meu ritmo de cruzeiro aos 10K, capricho nas subidinhas (tenho força nas pernas e aproveito!) e tento dar um gás no final. Foi o que aconteceu nessa vez, que já pode ser considerada a melhor corrida da minha vida. E é fácil saber porque.
Quem me conhece fora das corridas sabe da minha intensa ligação com a Argentina e com o povo argentino. Meus pais, desde pequena, me faziam escutar Mercedes Sosa e o grupo Raíces de América e, desde os quatro ou cinco anos, eu já cantarolava “Duerme Negrito”, sem mesmo saber do que aquela letra se tratava, ao certo. Cresci amando a Argentina e o castelhano. Conheço o país de cabo a rabo, para onde já fui com o marido e os filhos, conhecendo lugares exóticos como os montes colorados no norte, na fronteira com a Bolívia, e o extremo sul, ao lado dos pinguins e de um bom chimarrão. Portanto, minha primeira corrida internacional tinha que ser lá…
Fui sozinha. Meu marido, que sempre me apoia, achou que não valia a pena gastar uma grana para me acompanhar e ter de passar o dia em uma expo esportiva, não tomar vinho e ainda por cima acordar às 6 da manhã… Deixa para uma próxima visita turística. Não era o caso.
Quando fui pegar o meu kit, havia uma fila denominada “prioridad extranjeros”. Emoção, né? Pois era a maior fila de todas…rs. E lá encontrei, claro, muitos brasileiros. De diferentes sotaques. Tinha gente do Rio, de Brasília, de Salvador e com outros sotaques do nosso imenso nordeste que eu não saberia identificar. Peguei a camiseta, o chip e passeei sozinha por aqueles estandes cheios de produtos da Adidas (patrocinadora oficial), suplementos alimentares, acessórios, óculos, meias térmicas, roupas especiais… Um mundo da corrida, como se naquele momento – e era isso, mesmo! – nada mais importasse no universo.
Tinha um espaço para personalizar a camiseta, onde a gente podia estampar o que quisesse. Eu mandei colocar “Tatiana Ferraz” na mais completa falta de criatividade, mas tinha frases bem engraçadas como “Usain Bolt”, “Tita eu te amo”, “Maradona” e outras cositas más.
Na véspera, saí com um casal de amigos – ele, Clau, argentino, ela, Juju, piauiense e casada com ele – e nos divertimos muito. Caprichei no carboidrato durante todo o sábado com medias lunas, panquecas e pão… Arrematei nesse jantar com um imenso prato de “nhoque multicolores”.
E chegou o grande dia. Como sempre, acordei no escuro, engoli um monte de coisas sem muita fome, afinal, são 21K e o corpo iria chiar se eu não me alimentasse, e segui a pé para o local da prova. No meio do caminho fui encontrando a “galera”. E todo mundo (todo mundo argentino) adora ver gente com bandeirinha do Brasil estampada na camiseta. Vai logo dizendo “Brassssil!” com aquele sotaque carinhoso que eu amo.
Muitas coisas são muito parecidas em uma corrida “normal” e uma competição dessas, internacional. Olhando as fotos, os vídeos, as estruturas, elas são bem parecidas. A diferença está em alguns detalhes: o primeiro deles, a sensação – ainda que muito exagerada e demasiadamente pretensiosa – de representar um país. Sim, porque apesar de eu não estar ali para ganhar os primeiros lugares, estou em território estrangeiro e faço questão de mostrar isso. E é muito legal.
Depois, o itinerário. Apesar de conhecer tão bem a cidade, a sensação de circular livremente pelas ruas, pelas árvores, pelas regiões onde eu tanto passeei e fiz compras… Tudo ali, só meu, para que eu possa imprimir o meu tempo, o meu ritmo, a minha dedicação. Na metade do caminho passamos pela Casa Rosada. Que cartão postal! Eu já a conhecia de longa data, mas não assim, suando, coração a mil, cheio de gente em volta. Consegui tirar algumas fotos, no desespero: juro, não é fácil manter um ritmo de mais ou menos 6K por hora e manusear um celular…
No meio do caminho, muita gente aplaudindo, alguns com bandeirinhas da Argentina, outros do Brasil, turistas fotografando e um céu azul com sol queimando. Eu olhava para aquela ‘lua’ e não cansava de pensar, com orgulho e vontade de chorar: “Estou correndo… em Buenos Aires.”
E chega a tão esperada plaquinha dos 18K. Era a hora de dar uma acelerada. Foi quando eu olhei no relógio e vi que a possibilidade de fazer a prova em menos de 2:16′, o que até então era meu recorde, era pefeitamente possível. Me empolguei.
Corri muito. Acelerei muito. Tinha horas em que eu achava que não ia aguentar. Diminuía um pouco. Mas aí lembrava que podia melhorar meu tempo. Acelerava de novo. Veio o quilômetro final.
Dei uma disparada tão grande que, pela primeira vez, tive uma sensação já experimentada em algumas competições de longa distância de natação: a sensação de morte… Uma espécie de sensação de que o coração está na cabeça e os pulmões estão totalmente contraídos… Mas felizmente eu não morri! Cheguei. Olhei no relógio: 2:12′. Quase desmaiei, quase mesmo, a vista chegou a escurecer um pouco. Mas passou rápido. A alegria era maior.
Aí vem a melhor parte: pessoas se abraçando, trocando sorrisos, tirando fotos, bandeiras do Brasil pra lá e pra cá – peguei uma delas emprestado para tirar a foto “oficial” -, e aquela sensação de dever cumprido. Mas qual era o meu dever, mesmo?
Ah! Correr mais uma vez os 21K, provocar no cérebro aquela sensação de “letargia” parecida com a meditação, abusar de um corpo que queria tanto quanto meu cérebro superar mais um desafio, mais uma fronteira, mais um sonho.
Fiz um pequeno “clipe” com os melhores momentos do meu fim de semana de sonhos. E incluí, claro, música, amigos, Buenos Aires e… Ah! A meia maratona… A música que escolhi de fundo é do Grupo vocal Santaires, meu preferido, que interpreta divinamente temas do folclore latino americano e que eu tive o prazer de conhecer em uma manhã de sábado, durante as gravações do próximo disco deles. Aliás, sou doida pra trazer esses “muchachos” para o Brasil…
O clipe resume a melhor corrida da minha vida, a música da minha vida, uma das cidades da minha vida, em um dos melhores finais de semana da minha vida…
Tati! que delícia de texto! a gente vai lendo e vai abrindo um sorriso com seu entusiasmo!!! e seu número, hein? dez 007!! rs 🙂 PARABÉNS!!
Tati! Você acabou de me convencer a ir correr a Meia de Bue! <3 Muito obrigada, viu?!
Beijos,
Dani Germano.
Muito bom o seu texto. Vou correr minha primeira meia em BsAs em 6/9 e seu relato é bom ótimo estímulo. Parabéns!