Samuel em seu cenáculo/Foto: Reprodução
A primeira coisa que costuma vir à cabeça quando se pensa em Vila Madalena é “chope”, caso não seja cerveja de garrafa mesmo, feijoada de sábado, feira da Mourato, o Ailton (in memoriam) e, num corte mais bizarro, arte contemporânea. Mas o que seria do mais famoso bairro boêmio de São Paulo se não existisse uma livraria – apropriadamente, a Livraria da Vila?
Livraria fora de shopping ainda não é o mico-leão dourado, mas um dia vai ser. Daí que ir à Livraria da Vila original, e mesmo a dos Jardins, que é a outra que eu conheço, até dá certo orgulho. Comprar ou folhear um livro é só um pretexto, mesmo o café expresso sendo caro e demorado. Quem liga, afinal, com todas aquelas jabuticabeiras?
O livreiro e um dia jornalista Samuel Seibel, 58 anos, é o dono e capitão da LdV, que vive um momento de expansão. De seu início algo paroquial, expresso claramente no nome da livraria, à representação oficial de venda do Kindle (autofagia?), foram menos de 10 anos e um bom punhado de novas unidades. O sujeito não só ultrapassou os limites da Vila como de São Paulo, já que tem lojas em Campinas e Curitiba e presenças na Flip e na Casa do Saber.
Não é difícil dar com Samuel na livraria (da Vila), seu estilo despojado a combinar mais com um alfarrabista (ou vai, com um de seus vendedores) do que com um empreendedor empedernido. Numa conversa com o JQC por telefone, pensando naquelas poltronas confortáveis da livraria da Fradique, perguntei a Samuel se tem tempo para ler. “Nunca no expediente, a não ser que eu faça parte de algum júri, algum prêmio, coisa assim.”
“Leio sempre à noite, mas raramente varo a madrugada.”
Você pode se perguntar o que Samuel está fazendo aqui, mas o caso é que o sujeito é um dedicado corredor, ou, melhor dizendo, um dedicado triatleta. Acorda cedo e investe dez horas semanais em corrida, pedal e natação. Tem um Ironman no alvo. Por ora, treina com a turma da assessoria Run & Fun, com quem priva também fora do cascalho, e disputa diversas provas de triatlo pelo Brasil. Sua afinidade com os esportes vem de priscas eras, quando jogava futebol (“Era o que se tinha”).
Num perfil recente publicado no Valor Econômico, Samuel conta a história de que, ao terminar uma meia do Rio, em 2002, entrou numa livraria, a Renovar, que tinha um “entreposto” da Confeitaria Colombo dentro, e que, numa “epifania”, passou ali a ter certeza de que queria mesmo comprar a Livraria da Vila, então à venda.
Mas é claro que a conclusão daquela meia e a endorfina derivada não é a causa cujo efeito foi a decisão de compra da Livraria. Seria a causa apenas em programas do tipo “Esta é a sua Vida”, quadros como aquele do Faustão em que a vida de uma celebridade é dissecada em 10 minutos. Mas como este blog se pretende ser o mais proselitista do mais proselitista dos blogs de corrida, o evangelista eletrônico cuja verdade está apenas e tão somente no cascalho, vou me permitir desmentir o que o próprio biografado me falou.
Sem a corrida do Rio, Samuel não seria Samuel.
Sem a corrida do Rio, a Livraria da Vila teria sucumbido à especulação imobiliária.
Sem a corrida do Rio, eu não tomaria café entre jabuticabeiras.