É possível que daqui a alguns anos as novas gerações de jornalistas, se elas ainda houver, tomem os caras do coletivo Mídia Ninja como os herois românticos de um jornalismo um dia feito com intensidade e algum risco. Talvez não venham a conhecer alguns brasileiros que andaram por senderos muito mais intensos e provavelmente mais arriscados. Um deles é o carioca Arthur Veríssimo, que fecha com o live and let die de faróis como Hunter Thompson e Joel Silveira.
Depois de manter uma coluna na revista Trip e fazer alguns programas para o SBT e Rede TV, ele agora estrela Na Fé, às quartas, 22h30, no canal fechado Discovery. No programa de logo mais ele acompanha a maior procissão brasileira, a do Círio de Nazaré, mas o assunto que nos interessa mesmo está guardado para a quarta que vem. Mesmo não sendo corredor, Arthur fez o que dez entre dez ultramaratonistas sonham fazer um dia: correr como (e com) os tarahumaras.
Famosos por vencer dezenas ou centenas de quilômetros como se fossem comprar cigarro, os tarahumaras – ou raramuris, como eles preferem – vivem num lugar remoto, no estado mexicano de Chihuahua, na fronteira com os Estados Unidos, uma região desértica e com cânions mais profundos que o Grand Canyon, conhecida como Barrancas del Cobre. Arthur não foi lá originalmente para correr, mas para conhecer e gravar um programa sobre a sincrética Semana Santa dos índios, que até preveem, na reconstituição bíblica, espaço para uma Judas mulher.
“Só que aí um dos líderes, de saia e cocar na cabeça, me convidou para conhecer a casa de um amigo e começou a correr. Eu tentei acompanhá-lo, e a coisa só foi acabar uns 30 quilômetros depois.”
Aos 54 anos, Arthur, que pratica ioga, anda de bicicleta e não corre regularmente, encarou o trecho por “estar na sintonia” com os índios e hidratar-se durante o “treino”. Ele também usou a famosa sandália tarahumara, com correias de couro e um solado fino, descrita no best seller Nascido para Correr, do jornalista americano Christopher McDougall. “Entrava pedrinha, era duro. Terminei a corrida com os pés quase em carne viva.”
Arthur não conseguiu precisar quanto tempo levou sua corrida, o que certamente seus anfitriões também não fariam. “Eles estão em outro plano. Não são acumuladores, não se preocupam com isso. A corrida para eles é uma tradição milenar e tem uma dimensão espiritual.” De qualquer forma, Arthur começou bem pela manhã para terminar sob sol a pino. E isso a cerca de 2 000 metros, num dos “cenários mais lindos do planeta”, como disse, repleto de cavernas e com alguma vegetação de altitude.
Por sua incrível mobilidade, os tarahumaras vêm preferindo viver nessas regiões remotas, evitando o contato com os ocidentais, já que, com poucas necessidades e dieta espartana, eles precisam apenas de uma agricultura de subsistência para viver. Bebem uma cerveja de milho e comem muitos grãos. Arthur, que é vegetariano, diz ter terminado a prova com uma fome de Pancho Villa; não perguntei o que comeu, mas deve ter sido algo nutritivo o suficiente para encarar a volta e a maratona de danças que estava programada para o dia seguinte. “Eles correm, mas também dançam. Não param de dançar: são os dervixes americanos.”