Sempre gostei de caminhar. Sentia-me uma exploradora, desbravando as trilhas do morro em que fui criada; sentia-me viva, sentindo a areia entre os dedos nos dias de verão da adolescência; sentia-me maravilhada, admirando o mar quando saía da faculdade; sentia-me gente grande, conhecendo São Paulo a pé. Mas a corrida demorou para me pegar. Eu tinha 28 anos e havia recebido o duro diagnóstico: marido cardíaco, apesar de muito novo. Para incentivá-lo, comecei a treinar com um personal. Eram planilhas semanais, treinos 4x por semana, tênis com a pisada certa, top adequado para mulheres com seios avantajados (sim, é necessário), relógio, shorts e algo que me acompanha até hoje, o Nike+.
Corria no Parque do Ibirapuera, na esteira, em ladeira, na Avenida Paulista. Empolguei o marido e juntos fizemos uma etapa do Circuito das Estações, da Adidas. Uma prova deliciosa que sai do Pacaembu, passa pelo Minhocão e volta para o estádio. Foi a primeira e última. O casamento se desfez, larguei tudo e voltei para a caminhada. Eu precisava de um motivo para sair da cama, por isso caminhava. A essa altura, eu voltei a morar em Santos e resolvi redescobrir a minha cidade!
Um dia a caminhada não foi suficiente para me tirar da cama e isso durou meses. Eu queria fugir daquilo tudo que estava sentindo, então decidi que, se eu tinha que lidar com a dor de frente, deveria correr tão veloz em sua direção, que pudesse quebrá-la quando a encarasse. Sem planilhas, ou personal, peguei meu tênis, meu Nike+, meu iPhone e comecei a correr, no ritmo que aguentava, caminhando muitas vezes, intercalando velocidades.
Voltei ao meu ritmo de antigamente, porém, eu só tinha como objetivo fugir do estresse, da dor, dos problemas… Para não criar uma ilusão, delimitei o tempo: corro 3x por semana, durante 35 minutos. Faço de 5 a 7 km, depende do terreno (corro na areia e no calçadão) e de como está meu humor. Quanto pior estiver me sentindo, mais eu corro. E deixo o shuffle definir a música. Não é ela quem dita meu ritmo, diferentemente da maioria das pessoas. Quando corro, eu resolvo meus problemas, converso comigo mesma, defino minhas ações e decido meus rumos. Não tomo mais nenhuma decisão sem correr. A cabeça quente não ajuda, mas correr me acalma. Com pernas queimando e poros suando, me sinto capaz de tudo.
A corrida não salvou meu ex-marido, ele nunca mais voltou à correr – não, ele não morreu-, mas me salva todo dia. E por mais que soe clichê, sou outra pessoa com ela. Não sou mais magra, mais gostosa ou ganhei um abdômen de gominhos. Mas funciona melhor do que qualquer terapia ou tarja preta.
Michelle Vargas – Jornalista e mãe da Manu, tem um castelo em Santos – que não é de areia -, e sobe a Serra do Mar toda a semana para trabalhar em São Paulo, a cidade que a desafia e instiga.
Muito bom, parabéns!
Perfeito, é por isso e assim que me sinto ao correr minhas 3x semanais…
Parabens pelo texto