Fazendo as pazes com a maratona, sete anos depois

Paulo Vieira

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VOLTEI A FAZER AS PAZES COM A MARATONA. Neste domingo (28), em São Paulo, corri a mara de inverno, a SPCity, da organizadora Iguana, empresa que procura oferecer uma “experiência de consumo”, no jargão do marketing, bem mais exuberante daquela de sua concorrente NotCom, que organiza a mais antiga mara de São Paulo, a de outono, que remonta aos anos 1990.

Foi minha quinta maratona em São Paulo, cidade em que moro há 50 anos e fumaça, e, como das últimas vezes, decidi me inscrever na undécima hora, após receber um convite de um dos patrocinadores “masters” do evento, o Itaú Uniclass.

O editor deste pasquim, de manga comprida branca, lá pelos 17K (canto inferior direito)

Mas não pretendo aqui avaliar os “features” da mara de inverno – os dois pórticos de largadas simultâneas merecem, é verdade, destaque positivo; o ponto aqui hoje é muito mais pessoal e diz respeito à minha relação com a prova-fetiche.

Havia dois anos que não participava de provas de 42K, a última a Maranilson, de Uberlândia, em 2022. Por alguma razão, achava que a cara era muito maior. É que desde Hawke’s Bay, na Nova Zelândia, em 2017, eu não completava bem uma mara, ou seja, sem caminhar por alguns trechos e, muito pior, sem praguejar contra entidades divinas porque a placa de quilometragem ainda está no 29K (ou no 33K).

JQC NA SPCITY 2019 – IMPRESSÕES SUADAS

 JQC NA SPCITY 2019 – ENTREVISTAS SUADAS

JQC NA MARA SP DE OUTONO DA NOTCOM DE 2019

A MARANILSON DE 2018 

A MARANILSON DE 2018 – ENTREVISTAS SUADAS

A MARA DE HAWKE’S BAY, NA NOVA ZELÂNDIA, 2017, A PRIMEIRA QUEBRA

Venho de uma boa sequência de meias maras, feitas em pace 5 de fio a pavio, a não ser, por razões óbvias, de uma prova no histórico Caminho do Mar, a estrada velha de Santos da famosa canção do Roberto – se não era essa a estrada, que se imprima a lenda –, com um ganho de altimetria de uns 8 mil metros em seu último terço.

Correr 21K em ritmo constante, e ainda forçando no final, como ocorreu na meia do Butantã, organizada pelo maverick cubano Thomas Cabrera, em 7 de julho, virou default, e, assim, reproduzi o esquema na primeira metade da SPCity. Nada me era novo, o cheio acre dos excrementos humanos em regiões do Centro; a densidade do ar diferente nos túneis da JK e sob o rio Pinheiros; o dixieland do parque Ibirapuera e a performance do DJ no segundo túnel. Novos mesmos eram o já supracitado pórtico duplo de largada e o fato de eu iniciar tão cedo uma prova, antes mesmo das 5h40min.

E aí chegou a hora, na frente do Jockey, em que o povo da meia tomou o caminho de seu roçado e sobrou-nos, a mim e a mais alguns poucos – não tão poucos assim, cerca de 4 700 patrícios –, enfrentar a solidão de três desertos do Alto de Pinheiros, do campus da USP e da avenida Escola Politécnica.

Nas minhas últimas maratonas, a cabeça, muito mais do que o estômago ou as pernas, indicou que eu deveria fazer paradas já a partir dos 25K (como na última Maranilson) ou dos 28K (São Paulo, 2019). Desta vez, decidido a desconsiderar qualquer apelo dessa natureza, mantive o ritmo até pelo menos os 29K, quando a tigrada adentrou à USP.

A USP segue sendo meu quintal, mesmo depois de eu ter-me mudado daquela região da cidade para as proximidades do parque Ibirapuera. Foi lá, inclusive, que aconteceu boa parte da mara do Butantã, em que desci como nunca a lenha, e ontem considerei uma obrigação seguir altivo, alive and kicking, ao longo dos 5K da SPCity que ocorriam dentro da Cité Université.

O problema é que para isso eu teria de manter o pace mais ou menos uniforme até os 38K.

E assim foi, sort of. Uma certa vontade de parar veio no 39K, mas aí negociei domesticamente com argumentos que considerei na ocasião bastante sensatos e que foram aceitos por mim mesmo quase incontinenti: a) faltava pouquíssimo para terminar; b) em metros passaria pela torcida, que aplaudia e mostrava bastante, como se diz, empatia com nós corredores. Muitos ali, imagino, tinham corrido os 21K.

Ao mergulhar no meio da galera já não havia mais como desacelerar ou parar, e o quilômetro final ganhou sobrevida. “O público te leva”, disse-me uma vez Gesu Bambino, o mentor espiritual deste pasquim, e ele estava certo.

Os 500 metros finais, já sem público por uma questão logística, não me pareceram tão sofridos como os de outras maratonas, como esta primeira, também em SP, quando a síndrome da linha de chegada estava pegando forte.

Fechei em 3:38 alto, pace 5:11, muito melhor do que imaginava, abaixo apenas da última maratona sem paradas, quando meti 3:34:09. Tinha 49 anos na ocasião.

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Nada me demove de certa obsessão em encarar a maratona como um fetiche, fetiche da mesma natureza de manter uma extensa vinoteca ou colecionar, digamos, relógios, mas é natural, depois de completar bem os 42K, querer ficar neles, quem sabe daí para mais. Começo a entender as razões de o Homem-Maratona Nilson Lima, que ontem celebrou sua 365ª mara, não disputar provas de 21K.

Bom também foi ver comprovada outra hipótese, minha hipótese anticanônica de preparação para os 42K. Para a SPCity, o longão mais digno desse nome mal teve 26K – como o Strava ontem deu 44K, quero quer que corri naquele sábado apenas 24K –, uma distância bastante inferior à prescrita pelo cânone.

Faltaria com a desejada imparcialidade jornalística e com a objetividade científica se não revelasse, contudo, que maneirei na feijoada e na birita da véspera. Mais do que o tênis responsivo da On ou a temperatura amena da manhã de domingo, essa privação deve ter sido a variável mais importante mexida nesta que foi a 11ª de minha pequena coleção de maratonas começada lá atrás, em 2015.

Foi duca.

 

 

 

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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