Adriano Silva, um jornalista que não tem pejo de falar de si

Paulo Vieira

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UM DOGMA: JORNALISTAS NÃO SÃO notícia e, por extensão, suas vidas jamais tornar-se-ão biografias best sellers – melhor: jamais tornar-se-ão biografias.

É curioso que Hollywood não feche com esse pensamento e regularmente produza narrativas próprias tendo coleguinhas como herois – Spotlight, estou certamente desatualizado, me parece o mais recente da fila.

Mas e quanto a autobiografias de jornalistas em pleno exercício de suas competências? Justificam-se? Descortinam tempo e espaço que merecem ser conhecidos, iluminados ou revividos?

Ou serão apenas manifestações de grossa e incontida egolatria, quem sabe um “Lattes” preenchido com mais criatividade? Afinal, dentre jornalistas, conquanto adoremos nos pavonear, plasmar em alguma mídia durável os próprios feitos é menos um pecado capital que um disparate, uma ideia sem cabimento.

O jornalista colorado Adriano Silva, que hoje lidera a plataforma Projeto Draft, que exibe vidas e ideias de profissionais do mundo “maker”, colocou em pauta, voluntariamente ou não, a questão.

Mal chegado aos 50 anos, Adriano é autor de dois livros que relatam dois momentos fulcrais de sua curta carreira jornalística – promete para logo menos um terceiro, fechamento do que chamou de “trilogia corporativa”.

Se aqui não temos o Post nem o Boston Globe, vai tu mesmo, e o programa Fantástico, da TV Globo, e agora a editora Arvorezinha, a moribunda Abril, tornaram-se locações das obras do autor, ambas publicadas pela Rocco.

Primeiro Adriano escreveu Treze meses dentro da TV – Uma aventura corporativa exemplar, sobre sua passagem efêmera e fracassada pelo Fantástico; no fim do ano passado veio a lume A república dos editores, relato da muito mais consistente e bem-sucedida contribuição do autor com a Abril.

Entronizado na editora por Paulo Nogueira (1956-2017), então diretor da revista Exame, é principalmente após assumir a direção editorial da revista Superinteressante que Adriano passa a subverter as regras, os ditames e os costumes passadistas da casa – ou a rotina reativa comum a qualquer trampo.

Com isso, ele e seus comandados transformaram a “Super” numa usina de projetos editorias de formatos diversos – revistas, inclusive – e levaram a editora a alcançar seu melhor faturamento excluído o circuito Veja-Exame.

Foram muitas as inovações, gerenciais inclusive, mas se é o caso de hachurar apenas uma, houve, sem prejuízo do resultado, injeção de joie de vivre no dia-a-dia da redação, especialmente no período que ele chamou de “triênio de ouro”, a primeira metade da década de 00.

Explicar a um contingente de leitores como se faz para trabalhar produtivamente com alegria e prazer já valeria um extenso compêndio de autoajuda corporativa, e essa platitude talvez seja o que de melhor posso oferecer como resposta à pergunta do início deste post.

Mas suponho que não era esse o objetivo do Adriano ao publicar seus livros.

Adriano tem outros no currículo, e o mundo corporativo com seus códigos, mumunhas e (des)caminhos parece ser manancial inesgotável de ideias e, no caso dele, reflexões que precisa externar.

Mas não só: o parça também tem veleidades literárias, e sobressai em seus parágrafos o que alguém talvez chame de “voz”. Nisso, aliás, Adriano evoluiu de Treze meses para A república. Seu antes afetado Henry James interior está agora mais autônomo, fluido, como se seu cavalo (o do Henry James) incorporasse Kerouac (ou Coltrane).

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Ainda assim é bastante cacete, para usar uma expressão que talvez só o Matinas Suzuki use, acompanhar as mudanças de organograma na Abril, ofertadas sem miséria pelo autor, mas esse é um somenos numa obra em que as vidas modestas de um punhado de jornalistas comuns (ninguém ali é Joel Silveira, nem mesmo Mino Carta) ganham enorme interesse.

Caso tivessem suas vidas cotejadas com a do patrão Roberto Civita, também objeto de biografia recente – a escorreita O dono da banca, de Carlos Maranhão, decano ex-jornalista da casa –, as da rapaziada da Super me pareceriam muito mais excitantes.

E olhe que Adriano parece não ter utilizado nenhum truque de New Journalism.

E tampouco alçou ao primeiro plano de seu enredo dois abrilianos, estes sim verdadeiras potências literárias, Alfredo Ogawa e Fabio Peixoto.

Foto da home: Arquivo pessoal

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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