A primeira vez (na trilha) ela não esquece

Paulo Vieira

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ELA ANDOU POR ESTES PIXELS na primeira dentição deste pasquim, lá pelos idos de 2014, ainda antes de Banco Central independente significar prato vazio na mesa e metade do Brasil tomar o neto pelo avô.

Depois disso, Dagma Caixeta cultivou uma respeitosa e silenciosa audiência, silêncio que foi quebrado com o Especial mara Nilson Lima/Uberlândia, cidade em que ela viveu por cinco anos e onde participou da meiamara de 2017.

Ela pediu passagem, e volta agora para contar como foi sua estreia na montanha. Evoé.

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SABE AQUELA VONTADE DE CORRER em trilha? Pois é, nunca tive! Talvez por eu ter crescido em uma fazenda lá em Patos de Minas, com morros por todos os lados. Ter de subir as trilhas de gado feitas neles para mim era tortura.

Meu treinador de corrida, o André Jabur, que já me fez oito vezes meiamaratonista — e uma maratonista inteira, em julho de 2014 –, porém, vivia no meu pé: “Um dia vou te levar pra correr no mato!” E eu, sempre reticente: “Jamais! Sou do asfalto e não tenho pretensão alguma de correr em trilha!”

As amigas corredoras e a pedra mais famosa que dona Beja

Mas no início deste ano o mesmo e incansável André me chamou para fazer uma corrida com ele e Delma, minha irmã, em trilha: a Bocaina Park Trail, em Araxá, no último sábado de abril, dia 28.

Havia três percursos a serem escolhidos: 6K, 18K e 30K. Conservadora e sabedora dos meus limites, fiquei com o trajeto mais curto.

DAGMA CAIXETA NA MARA DO RIO: EU CONSEGUI

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LEÕES DA CORRIDA DE MONTANHA

Desafio aceito e inscrição feita (mais tarde eu soube pelo André que a Delma havia feito a minha inscrição antes que eu desistisse de correr… risos), tênis novos para a prova comprados, vieram os treinos.

Que foram feitos dentro das minhas possibilidades, normalmente no asfalto, já que treino sozinha e não me arrisco por matas e trilhas desconhecidas.

Sempre que tinha oportunidade, contudo, voltava dos treinos correndo na grama para ir pegando o jeito.

O dia da prova foi chegando e eis que veio a notícia: o André não iria correr porque se recuperava e não queria se arriscar a qualquer tipo de lesão.

Festa no fim do 6K de Araxá

Dia 28 de abril, às 5h30, estava eu de pé com a Delma para irmos juntas para a serra da Bocaina fazer minha primeira prova “trail”. A nossa largada estava marcada para às 9h. Antes, largariam os atletas de distância maiores.

Chegando ao local da largada fui surpreendida por um paredão de pedra, magnífico, com um vão, repleto de árvores, por onde minha irmã falou que os atletas “brutos”, de 18K e 30K, passariam.

Depois ele seguiriam por cima da “crista” daquele paredão.

Vendo aquela obra que a natureza levou milhões de anos para esculpir, me deu vontade de triplicar a aposta e trocar os 6 pelos 18K.

“Fica pra próxima!”, pensei. Na hora, meu subconsciente implicou: “Oi? Próxima? Você, Dagma, que sempre falou que nunca correria em trilhas?”

Às 9h em ponto largamos: eu, Delma e Bárbara, corredora, amiga e vizinha da minha irmã. De cara tivemos que passar por um mata-burro e fazer uma subidinha leve. “Se for isso aqui, tá fácil!”, pensei.

Seguimos assim, correndo, conversando, apreciando o visual (e que visual!). Atravessamos fazendas, currais onde o leite das vacas fora tirado horas antes e chegamos a um córrego, que minha irmã havia dito que dava até para pular de tão raso que era.

Não deu para pular. Tivemos que meter os pés na água, que veio até o meio da canela. Os tênis, que para este tipo de prova já não são tão leves, ficaram pesados.

Segui em frente! Mal sabia eu que dali em diante só seriam subidas, subidas e mais subidas, o que me fez agradecer à minha professora de musculação, que, mais de um mês antes da prova, preparou uma ficha de treino para melhora do equilíbrio com  muita escada e reforço de pernas.

Na segunda parte da prova, ouvia meu coração batendo no peito e, ainda que arfando, consegui buscar o ar nas respirações mais profundas. Segui assim, entre uma conversa e outra com a Bárbara (a Delma já tinha sumido na nossa frente), atravessando mais dois córregos: um passei por cima de uma árvore, que nos serviu de ponte; o outro deu pra passar pisando nas pedras escorregadias e sair do outro lado.

Naquela hora eu só perguntava que horas a subida iria terminar. Logo vieram umas descidas, minhas coxas tremeram e, naquele momento, percebi o quão importante era estar com um par de tênis adequado para aquele tipo de terreno.

Mais uma subida e finalmente chegamos a um local em que era possível avistar o local de largada/chegada.

Pausa para apreciar a natureza que nos cercava e para fotos com o paredão de pedras atrás. Que visão foi aquela!

Mais um pouco de corrida e, depois de 1:21, eu e Bárbara chegamos em grande estilo. A Delma, que havia chegado uns 5 minutos ou mais antes, já nos aguardava de celular nas mãos para registrar o momento em que completei minha primeira prova de trail. Abraços, cumprimentos, emoção!!!

Emoção enorme por ter estreado nas trilhas numa prova junto com minha irmã, aquela mesma que me inspirou a começar a correr, lá em 2009, e para quem eu fiz e cumpri a promessa de correr uma maratona inteira, quando ela descobriu um tumor na paratireoide e eu, uma discopatia degenerativa na lombar.

Para quem já correu uma maratona, ainda que tenha levado 5:26 para completá-la, posso garantir: para mim, esta foi a prova mais difícil entre todas as que já fiz na vida (e olha que já são quase 100), seja pelo ineditismo, pela diferença do asfalto, seja pelas subidas, meu ponto fraco.

Mas foi uma experiência inebriante.

Medalhas em mãos, nos sentamos para reidratar e conversar sobre as dificuldades da prova e, pasmem, planejar a próxima trilha.

Que deve ser uma prova de 100K em estrada de chão no dia 7 de setembro, lá mesmo na minha tão querida Minas Gerais.

Calma! Em quarteto.

“Oi? Mas você não é do asfalto, Dagma?”, berrou, novamente, meu subconsciente.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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