A jornada de Sérgio Xavier a Boston, agora em livro

Paulo Vieira

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NAO É ASSIM QUE FUNCIONA, mas em se tratando de um gaúcho, tudo é possível. Na remota hipótese de que Sérgio Xavier tenha se decidido correr a mara de Boston porque pensava em menos de um ano publicar um livro à respeito, eis o livro mais suado de sua carreira.

Mas importa nada, como diria Caetano Veloso, obter a confirmação de tão despropositada especulação.

Importa é correr às livrarias virtuais para cacifar as 40 pratas pedidas em Boston – A mais longa das maratonas (editora Arquipélago), quinto livro da carreira do jornalista, escritor, comentarista de futebol do SporTV e treinador bissexto de arrivistas da corrida.

Boston já está à venda no site da editora e em livrarias virtuais.

Em São Paulo, quem fizer questão da dedicatória do autor deve cerrar fileiras na livraria Cultura do Conjunto Nacional em 10 de abril. Horário e fermentado de praxe.

Disse que o livro seria o mais suado de sua carreira, uma inverdade, apenas para introduzir o assunto, já que, como os iniciados sabem, é preciso atingir um certo patamar técnico, um índice, para participar da maratona mais tradicional do mundo.

Medalha, medalha, medalha, livro, livro, livro
Medalha, medalha, medalha, livro, livro, livro

O que demanda esforço e algum culhão, melhor dizendo, planejamento estratégico.

No caso dele, precisava correr uma mara abaixo de 3:30. 

Pace 5 de cabo a rabo. Espeto.

Ele já havia tentado isso 11 vezes em década e meia de cascalho, e foi na duodécima hora, em 2015, que conseguiu a marca redentora de 3:26:47.

O prodígio teve lugar em Albany, estado de Nova York, onde o vento mal tem força para fazer a curva – a história está no link abaixo.

SÉRGIO XAVIER CHEGA A BOSTON

ATLETA E TREINADOR

MAIS SX NO JQC

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ENTÃO VAMOS AO QUE INTERESSA. As passagens abaixo do novo livro do parça foram selecionadas pelo próprio autor para este pasquim.

Como SX estava fazendo correspondência em alguma estação de metrô em sua jornada de ontem para o Itaquerão – parece que nem Uber o SporTV tá bancando agora –, o wi-fi oscilante não permitiu que ele enviasse a íntegra de cinco capítulos, como prometido.

Mas o filé tá aqui.

Evoé.

Achei que já sabia quase tudo de corridas e de maratonas. Engano. De nada adiantava correr dezenas de meias maratonas, 11 maratonas, incluindo Nova York, Berlim e Chicago, ter lido e escrito livros de corrida, ter editado uma revista de “running”.

De nada adiantava nada disso sem ter visto de perto Boston. Ao mesmo tempo, ninguém está por acaso em Boston. Só participa da prova quem alcançou o índice de sua faixa etária em uma maratona anterior. E só alcançou o índice quem treinou muito, se machucou, se recuperou, errou até acertar.

Para conseguir o índice, é necessário estar entre os 5 e 10% mais rápidos de sua faixa etária. Difícil. Eu precisei de oito anos tentando. Alguns, os abençoados pela genética, conseguem de primeira. Outros nem chegam lá.

Por tudo isso, Boston é única. Na véspera da corrida, são milhares de atletas amadores caminhando pelas calçadas com um ar vencedor. A primeira vitória é estar em Boston.

São amadores, mas se comportaram quase que como profissionais do atletismo só para ter o direito de largar. Todos compram mais do que deveriam. Não é o consumismo habitual. Trata-se de um sentimento de pertencimento.

Não é por estar numa elite, não tem a ver com recursos, com berço. Boston não dá a menor pelota para sobrenome, não olha o preço do tênis. Aqui é meritocracia, meu filho. Pura. Treinou, levou. Americanos, etíopes, brasileiros ou paraguaios. Tanto faz. Conseguiu o índice? Você está dentro. É natural querer usar a camiseta, comprar a jaqueta, só quem buscou o índice sabe como foi duro.

Nenhuma maratona no mundo é realizada há tanto tempo, sem interrupções. Há 121 anos os corredores tomam as ruas das cidades da região – e os moradores adoram recebê-los. Boa parte dos 15 mil habitantes do vilarejo de Hopkinton, local da largada, acolhe os mais de 25 mil atletas com a hospitalidade típica do interior.

O local da concentração antes da largada parecia um campo de refugiados às avessas. No lugar de tristeza, alegria. No lugar de abandono, acolhimento. Voluntários ofereciam café, isotônico, bagels, frutas e sorrisos. A maioria se sentava ou deitava nos gramados. Um último descanso antes do esforço.

Aos poucos, os corredores eram chamados pela ordem de classificação. Seriam quatro ondas de largadas, cada uma delas dividida em cinco pelotões. Eu estava na segunda onda, no terceiro curral, o que equivalia a mais ou menos a metade do batalhão.

O telão anunciou o meu grupo e fomos numa suave caminhada de um quilômetro até o local exato da largada. A turma do SporTV tinha me pedido para gravar um depoimento na corrida que seria usado nos programas da casa. Levei o smartphone na pochete e tentei ser o mais informativo possível explicando como funcionava Boston. Disfarcei bem.

Quando desliguei a câmera e comecei a correr após ouvir o tiro de largada, senti um nó na garganta. Em nenhuma maratona anterior, na largada ou na chegada, meus olhos tinham se enchido de lágrimas. Dessa vez era diferente. Estava grato à vida, simplesmente.”

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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