A morte de um corredor em Uberlândia

Paulo Vieira

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HÁ TRÊS ANOS PERGUNTAMOS NESTE PASQUIM SE ERA NECESSÁRIO que o organizador de corridas de rua desse ciência ao público da morte de um corredor que houvesse participado de um evento sob sua responsabilidade. Link abaixo.

É PRECISO FALAR DA MORTE NAS CORRIDAS?

Mortes são incomuns em corridas, mas acontecem. Há poucos dados sobre o tema. Na Suécia, um estudo acadêmico compilou informações de maras e meias entre 2007 e 2016. Houve duas mortes dentre 1,1 milhão de participantes (neste 1,1 milhão um mesmo corredor pode aparecer mais de uma vez).

É um risco estatístico pequeno, mas não desprezível, e não isenta o organizador de ter uma estrutura razoável de socorro caso um corredor tenha um episódio cardíaco durante o cascalho.

O cardiologista e médico do esporte Nabil Ghorayeb publicou em sua coluna no G1 que as chances de sucesso na tentativa de impedir a morte de uma pessoa que sofre uma parada cardíaca fora do hospital são baixas, de apenas 10%.

“Para o atendimento a uma parada cardíaca, é fundamental que se inicie a massagem cardíaca no local, com uso de desfibrilador externo, até ocorrer a recuperação. A chance de sucesso fora do hospital chega a 10% se as manobras de ressuscitação (massagem e desfibrilador) forem iniciadas de imediato, em até três minutos”, escreveu.

Mas há gente que colapsa antes de sofrer uma parada cardíaca, o que justifica claramente a estrutura de socorro.

Wesley Ponciano, de 21 anos, morreu em Uberlândia, na mara Nilson Lima, domingo passado, quando participava da prova de 21K. Estava ainda no 14,5K. Recebeu socorro do corpo de bombeiros e foi levado a um hospital da cidade.

Na tarde do domingo passado, mesmo dia da prova, a organizadora do evento, a Apuana Esportes, publicou em suas redes sociais que “todos os protocolos de socorro foram seguidos, entretanto o atleta não resistiu”.

Luciano Moraes, sócio da Apuana Esportes, falou ao JQC sobre a morte de Wesley, que nasceu na pequenina São Pedro dos Ferros, no quadrilátero ferrífero mineiro, mas foi criado pela avó, em Uberlândia. Trabalhava na Arcom, empresa de logística e varejo, uma das maiores da cidade.

Eis os principais pontos dessa conversa.

A MORTE

Segundo Moraes, citando o relatório dos bombeiros, que fizeram o primeiro atendimento ao corredor, Wesley caiu devido a um AVC. Logo foi atendido por um outro corredor, que é médico. Só depois chegaram os bombeiros, que o levaram na ambulância.

Luciano não sabe precisar o tempo entre a queda e o atendimento dos bombeiros. Wesley foi mantido vivo até a chegada ao hospital, onde não resistiu.

O EQUIPAMENTO DE SOCORRO

A prova contava com duas ambulâncias (com UTI), uma delas posicionada no pórtico de largada e chegada, a outra a 2,5K desse local.  Havia ainda uma terceira, dos bombeiros. Eram 1 630 corredores nas várias categorias (5K, 21K, 42K e uma corrida kids de 300m).

É a primeira morte nas provas da Apuana. “Já fizemos 30 eventos, já tivemos somados 30 mil inscritos”, diz Moraes.

O PERFIL DE WESLEY

Segundo Moraes, Wesley debutava em provas de corrida naquela meia maratona. Pelos cálculos de Moraes e de outros corredores ouvidos pelo JQC, Wesley deve ter chegado ao 14,5K, onde caiu, com cerca de 1 hora de corrida, ou seja, com pace de 4:10.

Um ritmo muito forte para um novato, mas não tanto para quem já tem alguns anos de cascalho. “Ele acompanhou o pelotão dos corredores sub 3 em maratona no começo”, diz o organizador.

CONDIÇÕES CLIMÁTICAS E HIDRATAÇÃO

Este ano a mara Nilson Lima começou às 6h, 50 minutos antes do que a do ano passado, quando o editor deste pasquim participou. Havia hidratação a cada 3K, segundo Moraes.

A EXIGÊNCIA DE EXAME MÉDICO

Organizadores de corridas não costumam exigir atestados médicos dos participantes. Se o fizessem, de todo modo, seria grande a chance de que tais documentos fossem fajutos. Ao se inscrever, o interessado firma um termo de compromisso onde expressa sua ciência de que é responsável pela própria condição de saúde. Moraes não pretende mudar esse protocolo.

OUTROS CASOS

A mara Nilson Lima de 2019 teve ainda dois atendimentos a corredores que sofreram com o esforço. Giovani, um dos atletas da equipe de revezamento que venceu os 42K com o tempo de 3:04:44, precisou de atendimento a 500 metros da linha de chegada.

“Ele chegou cambaleando e desabou, chegou a arranhar o cotovelo. Foi preciso que o médico saísse correndo com o desfibrilador”, disse Moraes. Houve ainda o caso de Letícia Melo, que também desmaiou a 300 metros da chegada. Ambos corriam aceleradamente.

AJUDA À VIÚVA

Wesley era recém-casado e sua esposa está grávida. Moraes levou uma medalha e uma moldura com a foto do corredor para a viúva e “colocou-se à disposição”.

Segundo ele, não foi pedido ajuda para os custos de enterro, o que, de toda forma, não é, frisa Moraes, responsabilidade do organizador. Caso Wesley morasse em outra cidade, Moraes não sabe dizer “se seria o caso” de pagar os custos para trasladar o corpo.

O QUE MUDA PARA OS PRÓXIMOS EVENTOS

Segundo o Moraes, “não há o que fazer” em termos de infraestrutura de atendimento. É possível, diz, “reforçar o aviso para os inscritos de que há riscos envolvidos na prática da corrida”, especialmente para aqueles que buscam “resultados”.

“Vejo uma ânsia por resultados de pessoas que não procuram orientação, vão treinar de qualquer jeito e às vezes tomam suplementos por conta própria. Mas esses são 5% do público das minhas provas. E dão problema. Os outros 95% completam a prova, sobem foto no Instagram e vão beber cerveja.”

 

 

 

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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