Turismo de experiência

Paulo Vieira

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Hoje o nome técnico é turismo de experiência. No passado, “passear”. E se não houvesse a viagem, seria algo como brincar, curtir, matar o tempo.

Se na sua viagem houver a tal experiência, você paga mais. E se ela envolver trabalho, seu trabalho – pisar uvas, fazer pão, cuidar de animais –, paga ainda mais.

Escrevo isso a propósito não sei bem de quê. Queria comentar sobre minhas corridas no escuro: do breu total da estrada de Guaramiranga até o Pico Alto, o K2 cearense, onde estive outro dia, ao treino às 5 da manhã sábado passado, já na Z.O.

Mas nenhuma experiência dessas teve o valor agregado de ficar totalmente às escuras, como se deu em algum momento da minha vida na antiga mina de ouro Chico Rei, em Ouro Preto.

PÂNICO NA ESCURIDÃO MINEIRA

CORRENDO NA Z.O.

Também queria falar da grande experiência, sábado passado, de estar num lugar em que já estive centenas, quem sabe um milhar de vezes, o estádio do Canindé. Nada de novo exceto o estádio estar lotado e a torcida responsável por isso não ser a visitante.

PORTUGUESA, VOCÊ FAZ PARTE DE UMA GRANDE FAMÍLIA

Foi de arrepiar, mesmo com o revés.

(Não sei, aliás, o que é pior: ficar mais um ano na série C ou perder para um time cujo apelido é Tigrão).

Já vivi muitas experiências ao viajar. Como editor e depois redator-chefe da maior revista de turismo do Brasil, era uma obrigação. Em Moscou, comprei ingresso para um show do Moby que não era no dia que eu imaginava que fosse: quando cheguei ao estádio Olímpico só havia uma vivalma no lugar. Quem manda não ler cirílico? Em Tóquio, não foram poucas as vezes que abortei um objetivo por conta da dificuldade de encontrar a rua.

AVENTURAS DE UM JORNALISTA QUE CORRE NO JAPÃO

Mas não se trata apenas de uma sequência de trapalhadas. Há momentos sublimes, como a corrida interrompida pelas ovelhas numa estrada rural de Olímpia, não a paulista, mas a grega, no Peloponeso; a buena onda do mescal degustado numas cidades minúsculas do estado mexicano de Jalisco; e até a alegria das minhas filhas ao ver o pai enfrentar o toboágua monstro.

A SUPERAÇÃO DO INSANO

MÉXICO LINDO

Você não perguntou, mas talvez eu te responda que a experiência mais intensa que eu vivi foi entrar num buraco de manutenção de trem na estação de Cerquilho, cidade a 140K de São Paulo, numa época em que o trem levava pessoas da metrópole para o interior – ainda que 140K exigissem cinco horas de viagem no comboio da Fepasa.

Eu e outros malucos nos acocoramos num buraco de talvez um metro cúbico sob a linha, o trem parado a poucos metros da gente.

Não sei se éramos três ou quatro, mas apenas um era de Cerquilho; os demais, como eu, frequentavam Tietê, a cidade vizinha, cortada pelo famoso e poluído rio homônimo.

CORRENDO AO LONGO DO TIETÊ

Em determinado momento, o trem começou a se movimentar.

O barulho, crescente e insuportável, o precedeu, como um funesto abre-alas.

Não vai acabar bem/blog do Valdecy Alves
Não vai acabar bem/blog do Valdecy Alves

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E etc.

Um trem de passageiros, nem todos hoje devem saber, é algo interminável. Especialmente quando você está embaixo dele.

É difícil saber quando tempo se passou, mas eu chutaria uns 4 minutos. Intermináveis 240 segundos. E não foram poucos os momentos em que tudo o que eu e a população do buraco queríamos era esticar o pescoço.

Foi phd&%.

Quando finalmente o BUBUBU foi embora e pudemos sair daquele inferno, lívidos e sem conseguir balbuciar uma palavra sequer, nosso amigo de Cerquilho se adiantou.

E num sotaque de comediante carioca imitando um paulista de Rio Preto e num timing que nem Frank Sinatra em Las Vegas devia ter, disse:

– Em Tiéter, seis teim o Rio, em Cerquilho nóis teim o trem.

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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