É FÁCIL ENTENDER POR QUE SANTOS não tem uma maratona, mas sim uma meia mara e uma prova tão desejada de 10K. Cidade sem ladeiras – mas com os degraus e o funicular que trepa pelos 157 metros do Monte Serrat – e banhada pelo mar, é ideal para quem busca baixar seus tempos pessoais.
A concorridíssima prova de 10K patrocinada e organizada pelo grupo de comunicação do centenário jornal A Tribuna de Santos é uma das mais bem-sucedidas do Brasil, considerando-se o número de inscritos.
No próximo 19 de maio alinham para a 34ª edição da prova nada menos do que 20 mil sujeitos, número maior que o de inscritos para as principais maratonas do Brasil – e abaixo apenas da folclórica prova de 15K São Silvestre.
Uma hipotética mara em Santos também contaria com uma dificuldade adicional. A cidade é pequena. Ou a prova teria de dar voltas redundantes por seus vários canais ou precisaria terminar na Praia Grande, lá pros lados de Cidade Ocian.
Eis aí uma ideia, aliás. Graças ao porto e ao petróleo, Santos não sofre de paralisia desenvolvimentista – vide o número de universidades –, mas a cidade tem um sabor d‘antanho, pré-Jovem Guarda, meio Cassino da Urca.
A ressurreição do bonde, grande sacada na aurora deste século, e a revitalização de alguns quarteirões do Centro, aliás, têm tudo a ver com esse clima passadista, que sempre funciona como atrativo para provas de corrida de rua.
Começar a correr nas ruas cinzentas do Centro e terminar na praia é sem dúvida um ativo que o 10K da Tribuna explora muito bem – embora encetar o primeiro K dentro de um túnel claustrofóbico no meio de uma muvuca monstro seja dose pra leão.
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Faço essas considerações pois sábado passado tracei meu próprio 20K, algo assim, pelas ruas de Santos. Saí do Valongo me enrolando pelo Centro e daí cheguei ao cemitério do Paquetá, por onde tomei uma das ruas que descem – uso o verbo em sentido figurado – em direção à praia.
Fui cair para os lados do Boqueirão, e aí fiquei no que talvez tenha sido um 3K pela areia dura e escura das praias da cidade.
Santos se orgulha dos jardins de sua orla, que até já figuraram no livro dos recordes, mas deixar de frequentar suas praias é menos uma questão de boniteza do que de precisão: elas têm se mantido há tempos impróprias para o banho segundo as medições feitas pela Cetesb, o órgão ambiental paulista.
Olhando o copo meio cheio: eis um indicativo de que a grande quantidade de triatletas da cidade tem o destemor como uma de suas características.
Olhando o copo meio vazio: as tais bandeirolas brancas hasteadas na Terra da Caridade e da Liberdade, como dizia o imortal (bem, em termos) Ibrahim Mauá, eram a mais pura balela: se há bandeirolas na cidade, elas são justamente as da Cetesb, e bem vermelhas.
A CORRIDA COMO SEU PRÓPRIO ÔNIBUS DE TURISMO
UMA CORRIDA EM JERI
CORRENDO EM BRASÍLIA, A TEIMOSA, DO RECIFE
UMA CORRIDA CONTRA A CORRENTE EM SALVADOR
BALOUÇANDO O SALSICHÃO EM TAMBABA
Quanto a mim, que preferi tomar o banho reparador na ducha do meu hotel mesmo, devo dizer que dei uma arregada quando cheguei nas cercanias do Túnel, com duas horas de cascalho já transcorridas.
Resolvi a questão tomando um ônibus qualquer que me deixou em algum ponto menos glamuroso do Centro Histórico. Foi preciso ainda correr por uns dois ou três quilômetros defronte às ruínas de uma boa área do porto para voltar ao ponto de início, no Valongo.
Foto da home: escultura de Tomie Othake no José Menino/Rodrigo Martin/Flicrk