Performance e vaidade

Paulo Vieira

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Nada como um dia depois do outro. Ou como uma hora depois da outra. Corri (e a torcida do Flamengo também) a meia maratona da Asics, a Quatro Dourado, ontem, em São Paulo. Uma renca de gente, algo em torno de 6 mil pessoas, segundo a marca, afunilou-se no túnel que liga o Jockey à USP logo no primeiro quilômetro da corrida e se espalhou pelo Alto de Pinheiros e depois pelo glorioso campus Armando Salles de Oliveira.

Após ter corrido a Mara de SP, terminar uma prova de 21K seria pedaço de bolo, diria você, com carradas de razão. Mas se a resistência não constituía mais desafio, a velocidade, sim.

Nenhuma novidade para os amadores profissionais do negócio, mas não exatamente para mim, defensor-mor da corrida contemplativa, amante das horas mortas em meio a natureza, enamorado de Endorphynus e de Cunha & Bolaño, empático do método Abramovic.

Pois então. Para empregar o dito não dito mais famoso da nossa crônica de costumes: esqueçam o que eu escrevi.

Pois doravante o que tenho para falar se mede em segundos – décimos de segundo ficaria melhor.

Performance, performance, tudo é performance.

Se terminar a meia não era mais nem de longe um problema, como já foi naquela longínqua estreia, no Rio, corrê-la com meta de tempo era uma ambição. Uma ambição a princípio modesta, pois considerava fechar a prova com 1:45 e um pace geral de 5km/min. Bastante bom para o serviço público.

Vil metal
Vil metal

Talvez conseguisse, como faço costumeiramente no parque Vibra-Bollos, correr oito, dez quilômetros abaixo desse ritmo.

Mas ontem conseguia, sem me aproximar do esforço insano daquele 10K em que cravei meu recorde pessoal, 46’10”, manter o giro na casa dos 4’50” e, a partir do 11K, dos 4’45”.

Assim, após a metade da prova, considerei que já havia ganho gordura suficiente para terminar numa velocidade confortável, próxima do trote, e ainda concluir no desejado 1:45. Mas os quilômetros foram passando e eu seguia abaixo do 4’50”.

Por paroxismo, ao me ver no 18K com um tempo final agora projetado para 1:42, já podia até pensar em terminar andando. Mas se isso passou pela minha cabeça – não passou –, eu viveria no Mundo Bizarro, pois naquela hora minhas pernas entenderiam o recado completamente ao contrário.

Fechei a volta em 4’42”; o 19K, em 4’37”; o 20K, em 4’25”; e o 21K em 4’21”. Os metros finais no Jockey já foram de pura ostentação, mas isso não conta.

Tempo final: 1:41:16.

Permitam a redundância, mas para um sujeito que nas páginas pregressas deste pasquim sempre contrapôs o cronômetro à curtição fica a pergunta: até tu, Brutus?

Sim, já me desviei outras vezes do reto caminho, e a vaidade vã da vontade de performance já havia aparecido, por exemplo, na prova de 15K da New Balance.

O vício maldito voltou agora.

O diabo é que Treinador,  que aliás não encontrei ontem, fez um temporal: 1:36:43. Pace de 4’36”.

Quase 5 minutos abaixo deste que vos tecla.

Quatro minutos e meio.

Pai, dai-me a castidade.

Mas não já.

O jogo ainda não terminou, Fessô.

 

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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