O treino mais lindo do mundo

Paulo Vieira

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OS RAPAZES PARECIAM ANSIOSOS quando os vi, vivíssimos e chutando, no posto Shell do Alto da Boa Vista. Em todo caso, meus dez minutos de atraso me aturdiam mais do que a eles. É que, embora catedrático no caminho, justamente naquela manhã havia entrado por umas ruas erradas da Tijuca e precisei dar uma volta grande, pois já me encontrava a ponto de subir o Borel.

No famoso “Postinho”, maratonista desencanado Ricardo Henrique, velho conhecido de vocês, o colunista JQC no Rio, e outro parça, Eduardo Leite, locutor clássico da rádio Alpha, esperavam este retardatário para o cascalho do dia.

ELE TROCOU SÃO PAULO PELO RIO E GANHOU O TREINO MAIS LINDO DO MUNDO

BROCADOR RICARDO HENRIQUE E A SUBIDA DA AMADO NERVO

UM CAMINHO COM CRISTO E O ESCAMBAU

ALGUMA COISA NÃO ACONTECEU NO MEU CORAÇÃO NA IPIRANGA COM A SÃO JOÃO – FELIZMENTE

OS 25K DE SUBIDA QUE NUNCA ACABA DA SERRA DO RIO DO RASTRO

PASSOS DIAS AGUIAR, MUITO (?) PRAZER

ATLETA E TREINADOR

Não era qualquer cascalho, mas aquilo que Treinador Xavier um dia chamou de “treino mais lindo do mundo”. Pela primeira vez na vida, na terça-gorda de Carnaval, pude comprovar a justeza da frase.

Começamos na famosa rua Amado Nervo, a subida que conecta o Alto da Boa Vista com uma das entradas do Parque Nacional da Floresta da Tijuca, possivelmente o mais bonito caminho para o Cristo Redentor.

Em poucos metros já estávamos correndo sob árvores frondosas, a copiosa Mata Atlântica da região transbordando pelos dois lados. Fizemos então um rápido Te Deum em agradecimento a reizinho dom Pedro II ter decidido proteger aquela região antes dominada por cafezais a perder de vista.

Os rapazes iam num pace confortável, o que fazia a nem sempre sutil subida que não acabava nunca parecer menos íngreme do que realmente era. Num local de tanta beleza, sem nenhum carro a incomodar – eram 7 e algo da manhã – e com a promessa da aparição a qualquer momento da senhorita Endorfina, a conversação encontrava seu estado da arte.

Eu e Brocador, apesar do extenso contato virtual recente, não nos víamos há 31 anos. Falamos do Crivella, do rádio que só dizia sueco do Garrincha, do Canhotinha de Ouro (que trabalhou na Super rádio Tupi sob comando de Brocador, tornando-se seu amigo dileto) e também, com bem menos afeição, do Michel Klein.

Foi assim que logo encontramos a única encruzilhada do caminho. Pela esquerda, subindo a piramba, vai-se às antenas do Sumaré (ou não, pois o acesso é controlado); e, pela direita, numa descida suave, às Paineiras e ao Cristo Redentor.

Tomamos a direita, seguindo a corrente, em direção a nosso objetivo, que seria alcançado com apenas uma hora de corrida.

A partir daquela encruzilhada, o Rio de Janeiro justifica todo o imenso cancioneiro que o exalta.

A selfie foi no primeiro belvedere. Lá embaixo, a imagem clássica da Zona Sul: Lagoa, Jockey Club, os morros todos, Cagarras – o mesmo visual que se vê do Cristo.

Depois, entrei de cabeça na queda d’água – os rapazes foram mais comedidos – e logo parei para para beber água boa da fonte.

Foto: Anthony Goto/Flickr
Foto: Anthony Goto/Flickr

Em dado momento, a famosa estátua aparecia no quadro, não muito distante, mas mantendo a gigante dignidade que ela tem quando avistada de muito longe, do carro na Lagoa ou, bem pra lá, da Linha Vermelha.

Era só mais um flash, mas o melhor flash, do Treino Mais Lindo do Mundo. Coisa que só quem tem Jaraguá para chamar de Meu Lôro, se tanto, é capaz de valorizar.

Então logo víamos a cancela e chegávamos ao redivivo Hotel das Paineiras, agora transformado numa loja/bar/café que serve como base para as vans levarem ao Cristo.

Minha volta foi solitária. Como havia deixado minhas filhas sozinhas no Airbnb da Tijuca, decidi apressar o passo. Primeiro, subi 1K com os amigos em direção ao Cristo. Então, sem chegar à base do Redentor, fiz meia-volta e acionei a tração.

Para quem pretende fazer os 25K da Serra do Rio do Rastro (com 17K iniciais de lambuja em topografia menos pancada) do Desafio Uphill da Mizuno setembro próximo, aqueles 9K de retorno acenderam um sinal amarelo.

A volta foi “pegada”, como diria o Peixoto. As pernas pesaram em diversos trechos que mal subida eram (ou pareciam).

O consolo é que eu estava descendo a lenha, muito rápido para aquela topografia.

Não sou dessa escola, mas aqui não tem como: Treino Mais Lindo do Mundo ticado.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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