RALPH TACCONI, O MARATONISTA que fez o sol brilhar em Curitiba, demoliu Sorocaba, passeou em Berlim e deu tchau pro Niemeyer na Pampulha, deslocou-se num overlapping de manual, mas não só para confundir a zaga adversária. Ele pediu a bola – e a devolveu com açúcar e com afeto em mais um texto cabuloso.
Desta vez ele fala de sua estreia na famosa “Fuga das Ilhas”, a travessia aquática entre a ilha do Sahy e a praia da Barra do Sahy, no litoral norte de São Paulo, neste domingo. A seu lado, no Atlântico, estará seu irmão Oliver – e é esse, na verdade, o ponto.
Irmão mais velho, Oliver sempre foi seu heroi, modelo e, na mais perfeita exegese freudiana, antagonista.
Não me estendo.
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A COMPETIÇÃO SEMPRE EXISTIU, CLARO, mas apenas da minha parte. O seu jeito irritantemente simples de lidar com as situações sempre me intrigou. “Como consegue?”
Falo de meu irmão, Oliver, quatro anos mais velho e incrivelmente hábil em viver uma vida longe de problemas.
Habilidade que me revoltava lá atrás.
O melhor soltador de pipas do bairro. Enquanto eu penava para fazer uma capucheta subir à altura de um poste, ele cortava todos os adversários do céu.
Na escola, então, cansei de ouvir “por que você não é igual ao Oliver?”. Ele, o representante de turma, enquanto eu, ano após ano, ameaçado de ser transferido por não cumprir as obrigações escolares.
Na água destoava ainda mais. Praticamos natação na infância. Ele, claro, completou o curso. Nadava os quatro estilos com perfeição. E eu, que sofria até no cachorrinho, aprendi mal e porcamente três estilos, desistindo do borboleta por conta da complexidade.
O tempo passou e veio tudo: trabalho, família, filhos, responsabilidades, peso.
Num reunião de família, eu, já correndo e em forma, comentei que havia lido algo sobre mudança de hábitos alimentares, e isso deveria fazê-lo perder peso. Ele ouviu, interessou-se e, com a pacatez de sempre, seguiu a tal dieta.
Emagreceu 38 quilos.
Sem alarde, sem likes, sem foto de antes e depois. Apenas com o que ouvira do irmão irresponsável.
Mas como dizia Steve Jobs: one more thing.
Faltava uma coisa na receita: a atividade física. Resistindo a correr como o mano, lembrou das piscinas. Disse que teria prazer em voltar a nadar.
Eu comentei das travessias aquáticas, provas que são realizadas em águas abertas, mar ou represas.
Empolgou-se. Fizemos a primeira em São Vicente. Sofreu. Mas prometeu voltar mais forte para a próxima. E assim fez. E refez.
Hoje são sete provas em praias e represas paulistas. E uma travessia noturna em Mangaratiba, na Costa Verde carioca. Experiência única.
Agora estamos aqui, alguns meses depois daquela conversa. Talvez com as mesmas responsabilidades, mas sem o mesmo peso.
Com minha companheira de sempre, Fran, eu e ele estrearemos depois de amanhã na São Silvestre das travessias, a “Fuga das Ilhas”. A principal prova de águas abertas do litoral paulista.
Uma escuna leva os nadadores em um passeio de pouco mais de 5 minutos até a Ilha do Sahy, de onde partem os naufragados.
São 2K batendo braços e pernas em algum ponto do Atlântico. Com sofrimento para mim e diversão pra eles.
O que era inveja e raiva na infância transformou-se em orgulho incalculável.
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Só espero agora que esse bicho não invente de correr, porque então só restará para mim o xadrez, em que eu me saía tão bem na meninice. Se bem que depois das últimas encurraladas que tomei do meu caçula de 11 anos, não sei não.