Independência ou planilha, eis a não questão

Paulo Vieira

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Pico do Jaragua, SP
O Pico do Jaraguá: tem horas que parece que tá longe… / Foto: Reprodução

Gesu Bambino mandou um sms na sexta:

– Preciso correr 18K. Não quer treinar comigo no domingo, que amanhã vou andar de bike com meu amigo Iscariotes?

Respondi o chamado divino dizendo que minha ideia dominical era pegar mais pesado, os olhos já mirando de novo o estupendo Pico avistado de toda a capital bandeirante. Respondi, loquaz:

– Ida e volta ao Jaraguá, uns 32K?

E ele treplicou dizendo que andava meio “caxias com a planilha”.

Gesu, vejam só, se converteu. Como pretende disputar a maratona de Nova York deste ano – uma sensacional história registrada aqui -, está seguindo um programa de treinamento com A assessoria esportiva Run&Fun. Na semana passada deve ter feito seus treinos de tiro, a musculação preconizada e se viu impedido, no domingo, de ultrapassar a quilometragem estipulada, 18K.

Não seria difícil, em todo caso, fazer seu pequeno quinhão de 18K. Bastava voltar de táxi, ou trem, ou andando, ou de ônibus, que transporte coletivo de domingo é escasso, mas a gente não costuma ter pressa num dia desses, especialmente se tiver cheio de endorfina no corpo.

Fiz então sozinho meus tais 32K, por aí, indo e voltando do Pico, um percurso que eu já descrevi para vocês em posts anteriores, e que considero um dos mais gostosos de São Paulo. Especialmente se for num domingo, quando as avenidas do Anastácio e Agenor Couto de Magalhães estão bem menos barulhentas.

Depois dessa longa introdução, vamos ao que interessa, que o que interessa neste post não é de pouca monta. Vou tentar derrubar alguns dogmas. Dogmas meus, é verdade.

Primeiro dogma: caminhar ou até mesmo descansar do meio na corrida invalida o esforço. E significa a assunção de uma limitação. Não invalida e não atesta a tal limitação. Tanto é que existe a expressão, bastante utilizada pelos gaúchos, “treino seccionado”. Eu agora faço corridas seccionadas.

Conversando semana passada com o Rodolfo Lucena, a quem chamei aqui no JQC de Ultraman por ser um dedicado ultramaratonista, percebi que caminhar numa prova é mais do que justificado: chega a ser uma estratégia. Pois eu me senti o mais looser dos loosers ao caminhar por alguns minutos na meia do Rio do ano passado. A ironia é que, neste ano, na mesma meia, não caminhei, mas meu tempo foi 4 minutos inferior ao daquele ano. Não acho que seja necessário caminhar para fazer uma meia, mas esse pode ser um bom conselho numa maratona, especialmente na hora de se hidratar.

Claro que esse conselho não vale para quem disputa contra o relógio e corre bem e confortavelmente a uns 12km/h.

Pois ontem ter parado para comprar uma água e aproveitar para caminhar uns quarteirões foi ótimo para minha volta do Pico não ter sido uma experiência desagradável.

Cerca de 1:05’ depois de ter deixado o Pico, no momento que trocaria a Anastácio para tomar a “vicinal” Dr. Odon (o itinerário é montado para eu não entrar nem por um segundo na Anhanguera: só passo por cima dela, na primeira passarela da estrada), entrei num mercadinho, investi menos de 2 reais numa garrafa de litro e meio de água e esse foi realmente um descanso feliz e merecido. Feliz também por notar que basta cruzar o rio para os preços voltarem a ser decentes.

Ali concluí que dava mesmo para parar e caminhar de vez em quando no meio de uma prova – ou treino – sem maiores consequências. Diferentemente do que achava, você não fica impossibilitado, ou desestimulado, para voltar a correr.

O segundo dogma: planilha é coisa para quem não preza a liberdade ao correr. Nananina. Planilha não solta fumaça pelas ventas. Não é o Coisa Ruim. E você pode se libertar dela, se e quando quiser. Acho até que entendo Gesu e sua imexível programação dominical. Moi même, vejam vocês, este arauto do treino libertário (já estou chamando corrida de treino!), anda sucumbindo à planilha. Na semana passada me juntei a um grupo de corrida da Bioritmo e cheguei a treinar tiros.

Foi quinta à noite. Numa USP fria e vazia, já que era “Semana da Pátria”, dei com o povo 12 piques de 45” intercalados por 1’ de descanso. E houve dois curtíssimos períodos de corrida, 12’ e 15’, em pace “confortável”. O mais surpreendente foi a longa sessão de alongamento, ao final, mexendo com coisas que eu nunca tinha usado, como um elástico que serve para puxar a perna e alongar, talvez, o quadríceps. Foi bacana.

Hoje a planilha preconizava um treino às 7 da manhã, mas aí eu já achei um pouco demais.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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