Desistir sim, padecer jamais

Paulo Vieira

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HÁ GENTE QUE GOSTA DE ENCARAR A CORRIDA como um desafio pessoal que deve ser cumprido custe o que custar. Veem na hipotética “desistência” de uma prova uma mácula eterna, a pesar por encarnações nas costas do amarelão.

Este pasquim, como sabem os raros que o seguem, está em outra. É pela curtição custe o que custar, “duela a quien duela”, para usar a expressão daquele presidente impichado.

É claro que você não viaja léguas e léguas para participar de uma corrida, digamos uma Comrades, como a de ontem, na África do Sul, para desistir em algum momento daqueles 90K. Em geral, isso só acontece por alguma limitação extrema.

Mas é insano seguir correndo se essa limitação extrema se apresenta aos 10, 30 ou 70K. Corredores amadores, muitos deles já bastante entrados em anos, deveriam ter em mente que a corrida é uma atividade como qualquer outra, nada mais do que um fetiche atlético pessoal.

A vida é maior do que a corrida.

MARATONA, O FETICHE

CARLOS DIAS CRUZA O BRASIL NO DESAFIO 2 EXTREMOS

SATIE, A ULTRAMARATONISTA

ONDE QUERES GUERREIRO, ÉS SÓ FETICHE

HOMENS E MENINOS

Posto isso, eis o que me disse a Satie, a ultramaratonista que fazia ontem sua primeira Comrades e que estava animadíssima até a hora de alinhar para a prova, extasiada com o tal “espírito” Comrades, como o vídeo embebido abaixo, gravado por seu amigo Marcel Scarpato e que ela enviou ao JQC, é prenhe em exibir.

Agora é a Satie quem fala:

[A prova foi] totalmente fora de qualquer cenário que eu pudesse imaginar. 

Decidi desistir já no primeiro ponto de corte, com menos de 16K. Passei com muitas dores estomacais na noite do sábado e acabei vomitando muito antes da prova.

Pensei que fosse melhorar durante a corrida, e passei com bom ritmo, mas estava enjoando com tudo que colocava na boca. Juntando isso e dores no estômago, cabeça e articulações, concluí que não iria muito longe e resolvi me poupar.

Acho foi uma das decisões mais difíceis que tive de tomar na vida, mas acredito que foi correta, porque mais de 24 horas depois ainda não me sinto recuperada.

Encontrar com os corredores, brasileiros ou não, desde ontem é que é difícil. Dá uma sensação de vazio muito grande.

A coisa que mais queria era estar sentindo aquelas dores musculares que nos fazem andar igual robôs e descer qualquer desnível de lado. Nunca imaginei que ia sentir inveja disso, kkkk.”

Esquenta não, Satie, junho de 2019 tá logo aí.

Foto da home: San Francisco Citizen

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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