Teu carro nos faz fumar três cigarros por dia – pensa nisso

Paulo Vieira

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ENQUANTO BOA PARTE DA EUROPA E A ÍNDIA ANUNCIAM o fim da produção de carros movidos a gasolina e diesel, aqui no Brasil direita e esquerda, que divergem em tudo, se unem para manter o status quo do automóvel mais-do-que-poluidor.

A direita abre as pernas docemente para qualquer espasmo da indústria automobilística, especialmente no tocante às diretrizes de planejamento das grandes cidades – poupem-me de falar do jestor e sua ridícula, ridícula, ridícula Marginal Segura; já a esquerda, essa segue a ribombar sua infantiloide defesa do petróleo como ativo “estratégico”.

Talvez já tenha sido: no tempo do Lobato.

Enfim, este 22 de setembro, Dia Mundial sem Carro, pode não significar muita coisa, mas a oportunidade de deixar o carro parado um dia por ano que seja deveria ser aproveitada pelos motoristas.

Como já devo ter dito aqui, adotei a bicicleta numa curta passagem por Londres, em 1999, mas demorei uma cara para voltar a usá-la em São Paulo. Quando isso aconteceu, ainda com Kassab, ainda antes do incremento cicloviário de Haddad, só houve ganhos.

Houve o do condicionamento físico, claro, mas, mais importante, houve o do “astral”. É abrupta e nítida a diferença de humor quando se pedala (ou se caminha) x estar na direção.

Meu sintoma mais notável é musical. Assobio bastante pedalando.

É estranho, mas ao dar a partida no carro para os deslocamentos habituais e ordinários pela cidade, um espírito levemente beligerante e competitivo se impõe – e suponho que seja assim com muita gente.

Não deixa de ser um exercício interessante, algo budista, tentar obter um saldo positivo de compaixão nos confrontos com outros motoristas.

Mas voltando aos ganhos, o principal deles é ambiental.

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Oito mil pessoas morrem anualmente na região metropolitana de São Paulo em consequência da poluição gerada pelos carros. Os dados não são manipulação barata, chute à Temer na ONU, mas do patologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP e especialista no tema.

A imagem do tal cigarro ambiental, aliás, é dele. “É como se fumássemos três cigarros por dia devido à poluição”, disse.

E há também uma questão ética. Pode não parecer, mas a maioria dos 20 milhões de habitantes do conurbano de São Paulo não possui carro.

Destarte, não é razoável, não é democrático, não é justo que essa maioria tenha de respirar a fumaça do cigarro ambiental alheio.

Pode-se argumentar que pegar metrô lotado não é legal, que a ladainha dos camelôs nos vagões da CPTM incomoda, que o ônibus atrasa, que não dá para andar de bicicleta no calor.

Mas eu preferia que parássemos de jogar fumaça dos nossos cigarros gigantes nas nossas caras.

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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