Carnaval com Cristo

Paulo Vieira

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MARCELO CRIVELLA não ficou para ver a homenagem singela que a Beija-Flor lhe fez em seu desfile campeão na Sapucaí. O bispo-prefeito bandeou-se do Rio durante a festa cultural e economicamente mais relevante para a cidade que administra.

Foi para a Alemanha, a fim, segundo disse, de fazer negócios de tecnologia de segurança com uma determinada empresa.

Consultado pelo jornal O Globo, um representante da empresa referida negou que o prefeito estivesse em visita oficial, como ele havia informado, e negou também que atuasse no setor de tecnologia de segurança.

Tudo isso é bastante grave, mas relevemos. O que fica para este pasquim é que o bispo-prefeito, se não gosta ou tolera a festa pagã, perdeu a chance de, no Rio, ter um tête-à-tête justamente com o Maior de Todos, como fez o Grande Timoneiro deste JQC, que, em plena Terça-Gorda, transpôs os 700 metros de altura e os talvez 11K que separarm o Atlântico do topo do Corcovado.

Escrito assim, 700 parece nada, mas a ascendente é interminável, e minhas panturrilhas estão sofrendo até hoje, dois dias após o fausto encontro. Coisa assim só havia acontecido quando passei uma hora seguida pulando corda.

UM ENCONTRO COM CRISTO

UM EXERCÍCIO PARA NÃO FAZER ÀS VÉSPERAS DO DIA M: PULAR CORDA

NINGUÉM VIRA NINJA POR TERMINAR A UPHILL

Visitar o Cristo durante a Terça-Gorda já está a virar tradição: em 2017, em companhia do Maratonista Desencanado Rircado Henrique, também corri em direção ao monumento.

O grau de exigência em 2017, contudo, foi muito menor: parti já de altimetria privilegiada, tendo largado o carro no “Postinho” do Alto da Boa Vista. Desta vez sem carro e sem companhia – Ricardo agora vive na Alemanha, veja a coincidência –, iniciei o cascalho na esquina da Assunção com Marquês de Olinda, córner aprazível do Botafogo.

Nada de aquecimento: já de cara vinha a subida de um morro que eu jamais havia transposto, a pé ou motorizado, que é atravessado pela rua Mundo Novo e que conduz ao bairro de Laranjeiras.

Na representação cartográfica a Mundo Novo é daquelas ruas malucas, que ziguezagueiam daqui para lá e de lá para cá, coisa rara de ver no Guia de Ruas de São Paulo, por exemplo. As curvas são agudas, verdadeiros cotovelos, e os terrenos têm frente e fundo em números diversos – e distantes – da rua.

São cerca de 2K belamente arborizados por oitis, goiabeiras e chapéus-do-sol, como é tão comum no Rio, e calçamento de paralelepípedo, à Santa Tereza.

Já não sabia que rumo tomar quando cheguei ao fim da rua, mas uma placa indicando a direção de Laranjeiras ajudou.

Estava do outro lado da parte mais conhecida do bairro, e a partir daí segui um roteiro mais conservador, optando por buscar o Corcovado pela via principal da região, a rua das Laranjeiras, que sem mais aquela muda de nome para Cosme Velho.

Logo passava pelo velha bica da Rainha – estará cotejado em algum Machado? – a estação de trem e vans para o Corcovado e finalmente por baixo da entrada do túnel Rebouças. Era hora então de tomar um ladeirão lindeiro ao latifúndio do velho Loberto Malinho.

A rua é uma parede, parecia que eu corria na perpendicular.

Ao chegar à estrada das Paineiras eu já supunha ter corrido uma e meia Uphill Rio do Rastro.

Mas havia muito mais.

Fiz um desvio para conhecer o mirante Dona Marta, local que sempre tive vontade de visitar. Até chegar a ele, contudo, uma subidinha que parecia sin más revelou-se bem mais substancial.

Vista do Cristo do Mirante Dona Marta/Foto: Rodrigo Silvestre/Wiki Commons
Mirante Dona Marta/Rodrigo Silvestre/Wiki Commons

Olhar a cidade lá de cima, tão paradoxalmente próxima, foi maravilhoso e revigorante lenitivo. Foi muito fácil divisar todo o Botafogo: São Clemente, Real Grandeza, Voluntários, o enorme cemitério e a linda igreja de São João Batista, esta vista frontalmente. Sem falar do resto: Lagoa, Cagarras, mata, Pão de Açúcar, Maraca, o pacote todo.

Mas havia ainda cerca de 3K para chegar à primeira base do Corcovado – e eles foram tão exigentes quando a ladeira do Robério Magrinho.

Ao chegar ao objetivo parei para tomar água (5 pratas a garrafa pequena) e me informei quanto custaria subir até os pés do Cristo. “Vinte e oito reais se for a pé”, disse-me o simpático atendente.

Faltava pouco, mas não sabia que aquele 1,6K se daria em subida extrema. A princípio por um singletrack no meio da Mata Atlântica, depois na estrada asfaltada que o concessionário do parque Nacional da Tijuca usa para levar turistas ao monumento com suas vans barulhentas.

Tinha 17 reais no bolso e não usei isso como argumento de convencimento à funcionária que regulava o acesso ao Cristo. Debalde foi também sacar o cartão de débito: o sinal era deficiente e a máquina, tão raramente utilizada, estava com a bateria descarregada.

Gastar algum para chegar ao ponto culminante não era, de qualquer forma, a intenção original. O busílis é que fiquei tentado em retornar a Botafogo pela trilha do parque Lage, um singletrack de apenas 2,5K e perda dramática de 600 metros de altitude pelo interior daquela mata imensa que divisamos do Jardim Botânico.

Só que acabei não achando a bifurcação, e usei parte do leito do trem do Corcovado para baixar à base.

Depois, fiz exatamente o mesmo trajeto de ida no retorno, encerrando o cascalho na rua das Laranjeiras, onde investi outros 3 reais para lubrificar a polia.

Se o vulgo acredita que beber água de certas fontes traz sempre o visitante de volta, eu fecho com a necessidade de fazer coisas ainda não feitas para retornar a uma cidade onde não se mora. A trilha Parque Lage-Corcovado é uma dessas coisas.

Já fica aqui um convite para os amigos (não os do alheio) cariocas que conhecem o pico e que não se importam em comandar expedições para juntarmos esforços.

Não tenho histórico de empacadas e resfolego baixo.

O Rio, amigos, é foda.

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

4 Comentários

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    Marcos Viana Pinguim

    Parabéns Paulo!!! Pela realização desse original desafio e por ter aproveitado a terça gorda para ficar mais magro!!! 🙂 (y) Um grande abraço!!!

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    Ronaldo

    O cara quer só puxar a brasa para a sardinha dele (ou melhor para o Rio) . Fez um treino de 11Km, com 700 de altimetria (pelo que ele disse). Não dá nem para comparar com os 25K da Mizuno Uphill, muito menos com os 42. Sem falar da natureza preservada da Serra do Rio do Ratro.

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    Christie

    Thanks man, you made my day ? ( an imovie newbee).

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    Antonio Bellas

    Caro Ronaldo
    Independente de qualquer intervenção, o Rio continua lindo!…
    E Paulo Vieira é o nosso embaixador mais importante, sempre muito bem vindo!

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