O investigador volta ao cascalho

Paulo Vieira

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ASSIM COMO UM CABEÇA DE ÁREA old school, não costumo perder a viagem. Fui semana passada ao lançamento do segundo livro do jornalista Vicente Vilardaga, A Clínica, livro em que esse meu colega de priscas eras mostra que o monstro Roger Abdelmassih já habitava o jaleco branco do célebre médico que ele viria a ser desde a tenra idade.

VICENTE VILARDAGA, O INVESTIGADOR

CERVEJA E CORRIDA

A MARATONISTA CERVEJEIRA

LEÕES DA (CORRIDA DE) MONTANHA

CORRIDA DE MONTANHA: O QUE USAR

Algo, por supuesto, que passou batido na cobertura massiva quando da prisão, fuga e captura do médico, e que Viça, o investigador, não perdoou. Sou tremendamente suspeito, mas investir 44 reales num exemplar de A Clínica paga muito a pena. Nas melhores casas do ramo e aqui.

Mas, como dizia, não perco a viagem, e  escalei o parça para relatar sua volta gloriosa ao cascalho, algo que se deu fim de semana passado, na aprazível cuesta paulista.

Chega mais, Viça.

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FAZIA 6ºC NA MADRUGADA do último sábado e a praça da Matriz da cidade de São Pedro, a 200K de São Paulo, amanhecia lotada de gente fazendo exercícios e saltitando enquanto se aquecia para correr sozinha ou em equipe a primeira edição da Ultramaratona Trail Run CS.

O sol apontava no horizonte e percebia-se mais alegria e entusiasmo do que qualquer ansiedade no ambiente. Havia alguma dúvida entre os atletas em relação à qualidade do terreno, mas a interrupção das chuvas, três dias antes, tornava a prova, de modo geral, bem mais previsível e segura.

Os 62K do percurso serrano até o município vizinho de Brotas traziam uma esperada promessa de belo cenário.

Pessoas de 18 a 70 anos, de ambos os sexos e de todas as etnias e credos estavam ali para se exercitar na zona rural e abrir os pulmões. Com trajes de corredor, cuidando da hidratação e comendo suas barras de cereais, dividiam espaço na praça com os primeiros fiéis que chegavam bem agasalhados para a missa da manhã.

Eu participava de um sexteto, a forma mais suave de cumprir o  longo trajeto, com novos amigos de corrida que moram na região. Em comum, o fato de sermos iniciantes em provas de aventura e ter a humildade para se meter em uma competição naquele frio intenso.

Outro forte elo de ligação é a cerveja. Na equipe, batizada de Beer Runners, há cervejeiros artesanais e aprendizes e admiradores da arte de produzir a bebida. Todos acreditam nos poderes regeneradores do líquido para comemorar a superação de um grande desafio.

De jornalista só eu. Os demais: Wendell Borges, idealizador da equipe e adepto da ancestral running, Igor Nunes, Thiago Batistella, Valdir Weisberg e Vanderson Fuentes são analistas de sistemas e de infra-estrutura de TI e Telecom e engenheiros agrônomos. Descobriram a corrida nos últimos anos e hoje só pensam em evoluir no esporte.

Pelo caminho encontramos longos trechos de terra batida, passamos por São João da Serra, a 920 metros de altitude (São Pedro está a 550 metros), percorremos trilhas quilométricas entre canaviais e cruzamos obstáculos de todo tipo – lamaçais, mata-burros, riachos e trechos pedregosos em descidas íngremes, onde qualquer deslize pode levar a uma queda.

Realizamos a ultramaratona com empolgação e conhecendo nossos limites. O percurso foi dividido em trechos de 6K (Thiago), 15K (Wendell), 14,1K (Igor), 12K (eu), 7,9K (Vanderson) e 7,3K (Valdir). Cuidamos da hidratação e não tivemos qualquer acidente. Tratamos de levar o carro de apoio para os postos de troca com antecedência para garantir agilidade no revezamento.

Fizemos uma prova tranquila, como, aliás, todos os participantes, mesmo os que realizaram o serviço inteiro sozinhos, e tivemos uma ótima estreia em corridas de aventura.

No final das contas, fomos a melhor equipe da nossa categoria, o sexteto masculino. É bem verdade que só havia duas equipes nessa categoria e os outros sextetos eram mistos ou femininos, mas nosso tempo geral, de 6:05:43 nos colocou na zona da desempenho intermediária. Corremos a pace 6, o que não deixa de ser um motivo de orgulho para uma equipe de iniciantes.

Tava tranquilo e favorável, mas também um frio da gota serena
Tava tranquilo e favorável, mas também um frio da gota serena na largada

Da minha parte posso dizer que foi meu recorde em percursos acima de 10K. Percorri meu trecho, um terço dele em descidas pedregosas, em 1:06:02. Favorecido pela topografia, superei cada quilômetro praticamente em pace 5.

A experiência da ultramaratona de revezamento foi muito gratificante e divertida. Em uma atividade que tende a ser solitária, correr em equipe é sempre um alento. Discutem-se estratégias e metas e todos se esforçam para melhorar o resultado do grupo. O trabalho coletivo prevalece sobre os objetivos individuais. 

Concluímos o percurso com a sensação de dever cumprido. E, honrando a camisa, celebramos a conquista, é claro, com chope gelado no local da chegada, o centro de Brotas. Um brinde a essa bela prova de aventura. E fica o sonho de fazer um dia uma prova solo de 62K, ou, antes disso, em dupla de 31K. O importante é correr sempre.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

Um Comentários

  1. Avatar
    Wendell Borges

    Só queria deixar o vídeo que fiz sobre a aventura descrita pelo Vicente, segue:

    https://www.youtube.com/watch?v=L65yeo1T5kc

    Parabéns pelo excelente texto, Vicente !

    Responder

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