Especial mara SP City – Impressões suadas (parte 2)

Paulo Vieira

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(CONTINUAÇÃO DESTE POST, PUBLICADO ONTEM)

NA ÚNICA VEZ em que a SP City contou com a famosa Subida da Brigadeiro em seu itinerário, tudo era novidade: tratava-se da primeira edição da corrida que se tornaria, de longe, a melhor mara de São Paulo.

Mas se subir a Brigadeiro para o pessoal da São Silvestre era coisa séria, pois durante muito tempo aquilo determinava o vencedor da prova, nos 42K da mara o logradouro serve mais de dado anedótico, uma atração turístico-endorfínica, dir-se-ia.

ESPECIAL SP CITY – AVALIAÇÃO

ESPECIAL SP CITY – ENTREVISTAS SUADAS

ESPECIAL SP CITY – IMPRESSÕES SUADAS (parte 1)

Não há mais vestígio da Subida da Brigadeiro no trajeto da SP City, mas a via que a substitui, a 23 de Maio, talvez traga exigências psicológicas maiores. Pois são longos 4K por ali até o Obelisco do Ibirapuera, mais da metade numa suave e constante ascendente. Sei lá se suave, mas sempre ascendendo.

Ali aproveitei para fazer um off road particular, ao derivar por momentos para o canteiro central e lá correr economizando a sola dos pés. A maior parte da minha rodagem semanal é na grama, e, além disso, o esquerdo não tinha acordado naquele domingo muito católico.

Enfim, o quanto dá para evitar o asfalto, evito.

As condições externas naquele momento da mara eram assombrosamente propícias. Temperatura confortável – suponho que uns 18 graus –, muvucas dissipadas, corredores fazendo aviãozinho diante dos fotógrafos. O trivial.

Positivo operante.

Eu me mantinha num pace confortável, 5:11 segundo um SMS enviado pelo organizador para meu celular — que eu só veria algumas horas depois.

No primeiro terço da prova, a arquitetura do Centro estimulava

Como já é costume nessas provas, algumas pessoas corriam com JBLs compactas, sonorizando o trajeto sem pedir autorização para os amiguinhos. Pop ruim em alta.

O primeiro túnel, logo após o Ibirapuera, já tinha ficado para as calendas quando um corredor, com a camiseta da assessoria Pacefit, do querido treinador Darlan Duarte, achou num ponto da avenida JK o Cumpadi Wellington Santos parado feito dois de paus. O high-five foi em alto e bom som, e eu repeti o gesto com ainda mais entusiasmo.

Surpreso com meu rosto, que não via havia uma cara, Cumpadi mandou na devolutiva:

“Ô, como cê tá, Marcelão?”

Não o corrigi. Atire a primeira pedra quem não confunde Paulo com Marcelo, ainda mais em tempos de fake news, véio da Havan etc.

Para quem está na meia maratona, a hora da onça beber água vinha agora, no túnel sob o rio Pinheiros, esse troço de interminável 1K edificado, como se sabe, em prol da mobilidade automobilística.

Passado o túnel, a tigrada da meia já está com a medalha no pescoço. Por isso o set do DJ, encostado no lado direito do túnel, é deliciosa estamina.

A mim, infelizmente, faltava percorrer ainda toda uma outra meia.

(Expressão estranha, né?)

Para quem corre maratona, a marca da meia é simbólica, mas ao mesmo tempo é café pequeno. Especialmente para sujeitos com eu, incapazes de performar em split negativo, ou seja, melhorar o ritmo de corrida na segunda “meia”.

E aqui os 21K dessa segunda meia seriam disputados em terreno plácido, arborizado e conhecido: USP, Alto de Pinheiros, ponte da Cidade Universitária, todos os lugares por onde corro no meu ramerrame ordinário.

Em outras palavras, pouco estímulo externo justamente no momento em que ele era mais desejado.

Passada a avenida do Jockey, eu começava a pagar de antipático por mal agradecer aos brothers por alertarem que meu tênis esquerdo estava desamarrado. Fazer o positivo com o polegar ou apenas agradecer, sem parar para sanar o problema, deve ser a maior infração ao código de conduta do corredor que o caboclo pode infringir.

Julguem-me.

Não era a primeira vez que isso acontecia. Ano passado, em Uberlândia, na mara Nilson Lima, esse episódio foi até plasmado em livro do também jornalista que corre Hermom Dourado. A questão é que eu não pretendia fazer nenhuma parada antes do 28K, que considero uma espécie de marca mítica, quando a tigrada chega aos 2/3 da prova.

Uma idiotice, concordo.

Chegado o 28K, na hora que finalmente parei e me abaixei para dar cabo daquela tarefa risível, uma súbita tontura pareceu me acometer. Cheguei a acreditar que me colocar de pé de novo demandaria energia considerável.

Felizmente foi uma sensação fugaz, mas a ideia de que havia ainda 14K não ornava. E felizmente 2, demorou quase nada para eu ter a melhor sensação da prova.

Logo ao entrar na USP, onde aliás não avistei as capivaras na raia, pois devia estar olhando muito fixamente para a frente, recebi uma esponja branca com água suficiente para um banho de ofurô. Pela única vez na vida numa maratona, sonhei com um temperatura mais alta.

A esponja voltaria a ser entregue nove quilômetros depois, mas nesta hora, tão perto do fim, a gente nem percebe direito o que está a colocar nas mãos.

(e olha que a Iguana coloca muito coisa na nossa mão durante a SP City.)

Apesar das pernas estranhamente pesadas e da ausência de incentivos mais palpáveis (e.g: go go girls, brigas de galo, clubbers tresnoitados), o pórtico de chegada se aproximava. Era ter algum poder de resignação e partir para o abraço.

E o abraço veio antes do que eu esperava — e quase literalmente. Um ou um quilômetro e meio antes do fim, um enorme corredor humano estreitou a pista dos corredores, fazendo-nos praticamente roçar na plateia, entusiasmadíssima com a NOSSA presença.

Sim, éramos os ídolos do momento. PQP. What a feeling.

High-fives foram dados aos montes, e nem a pessoa mais blasé do mundo, digamos o Demian “Farinoco” Takahashi, ficaria indiferente àquela energia que nos era destinada.

Estamina gratuita para corredores/Foto: divulgação

Durante talvez um minuto essa foi certamente a sensação mais deliciosa que já vivi ao longo dessas nove maras que disputei, com a possível exceção de correr os 500 metros finais da primeira, em 2015, junto com minha filha mais velha, Vitória.

Gesu Bambino, tão afastado do cascalho ultimamente, respondeu-me assim quando lhe perguntei como conseguiu terminar a mara de Nova York, a única que correu, no já distante 2013.

“Chega uma hora da corrida que as pessoas te levam.”

Irretocável. Se o pessoal aqui em São Paulo for repetir o corredor polonês do bem no ano que vem, já fica a sugestão para armarem a treta uns 9K antes.

 

 

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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