HÁ QUEM REGISTRE PROMESSAS de campanha em cartório para depois alegremente descumpri-las. Perto dessas, as renúncias às minhas próprias promessas são risíveis.
Risíveis mas talvez não menos escusáveis, para usar a palavra ao gosto do ministro que nunca se desculpa.
Num decálogo de declaração de princípios feito ainda na primeira dentição deste pasquim – decálogo que eu estranhamente jamais encontrei, talvez por tê-lo apenas imaginado –, uma das regras é: este JQC não se pauta por efemérides.
Pois bem. No dia do maratonista, em 7 de agosto, falei do fetichista-mor, o maratonista; e hoje abro espaço para nova efeméride – o dia do Ciclista.
Esta pequena e quixotesca homenagem aos colegas de pedal se justifica sobejamente: a bicicleta e o transporte coletivo de massa são soluções, mais do que isso, verdadeiras panaceias para nossas cidades caóticas, poluídas e injustas.
É fácil associar bicicleta ao ar limpo e à segurança no trânsito. Mas há também um ganho considerável de felicidade. E não se trata de um conceito abstrato de felicidade, mas, ao contrário, perfeitamente mensurável, como indica esta pesquisa.
Foram ouvidos para esse trabalho cidadãos de Portland, no Pacífico americano, que se deslocam por diversos modais – carros, bicicletas, ônibus etc.
Pois bem, parece que não há muito o que celebrar no dia do Ciclista. Embora a estrutura cicloviária das principais capitais brasileiras tenha aumentado bastante nesta década, o poder público segue a manter estímulos inaceitáveis ao carro e ao combustível fóssil.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, o prazo para que o diesel, a matriz suja dos ônibus urbanos, seja trocado por energia limpa, ganhou uma prorrogação de dez anos por submissão dos agentes públicos à pressão dos concessionários.
2030 a gente chega lá.
Da mesma forma, um plano de segurança viária elaborado pelo atual prefeito Bruno Covas, que herdou os 400K de ciclovias implantados por Fernando Haddad (PT), tem metas que são consideradas extremamente tímidas pelos ciclistas e cicloativistas.
Para a ONG Ciclocidade, não há “avanços relevantes nos últimos três anos” em pontos que a entidade considera fundamentais, tais quais a “redução da velocidade dos carros”, o “aumento da malha cicloviária” e, talvez mais importante, a regulamentação que “parta da lógica dos cidadãos e cidadãs”.
Ou seja, uma lógica que priorize um ganho de mobilidade para quem mais precisa dela – os usuários de transporte público e os pedestres.
É curioso, lamentável e irônico tal retrocesso pois São Paulo, seguindo o padrão mundial, foi a ponta-de-lança no Brasil do uso de patinetes elétricos e bicicletas de compartilhamento – mas aqui a ausência de uma discussão mais aprofundada antes de sua implantação fez surgir idas e voltas regulatórias que estão assustando os operadores e colocando em risco os pedestres.
Ainda segunda a Ciclocidade “sem intervenções significativas e sem combater os problemas gerados pelos automóveis será difícil acreditar que as estruturas atuais sejam capazes de atender a uma nova demanda por mobilidade inteligente.”