Na SP City Marathon: as presepadas de um jornalista mambembe

Paulo Vieira

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COMENTEI SOBRE AS MUITAS VIRTUDES e os poucos pecadilhos da SP City Marathon, a nova maratona de São Paulo, organizada pela Iguana Sports e corrida anteontem por quase 4 mil pessoas – na meia fomos 7 mil.

Para usar os números oficiais, 10 763 pessoas concluíram as duas provas na manhã gostosamente fria de domingo. Veja entrevistas (suadas!) com alguns desses corredores feitas durante a prova neste link.

Prometi, e pago a promessa agora, fazer o relato das minhas próprias presepadas durante a prova. Segura.

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POR MOTIVO DE ESFORÇO MENOR, troquei a pedalada de 40K pela ciclovia do rio Pinheiros pela feijoada com cerveja no dia de buscar o kit na véspera da SP City Marathon.

Sabadão com sol a pino e já com uma pedal realizado pela manhã, 21K no dia seguinte, sabe como é.

Um camarada bem posicionado lá nas lonjuras do Socorro, local da Expo, faria a mão, bastaria chegar um pouco antes da largada no Pacaembu no domingo e pegar a parada com ele.

E assim foi feito, não sem o parça passar alguns minutos matutando se eu o deixaria como dois de paus lá pela eternidade fria daquela manhã ainda noite.

Ele já começava a praguejar contra a minha descendência futura quando cheguei, ainda a tempo de formar no pelotão “B”, que era o indicado em meu bib, e que largaria às 6h10.

Por algum motivo achei que o kit, conseguido de última hora por cortesia do organizador, era recauchutado, e não procurei com a diligência devida pelos alfinetes que prendem o número de peito à camisa.

Não os tendo encontrado, despachei casaco e sacola do kit nos ônibus que faziam as vezes de guarda-volumes, prendi o número do jeito que dava no elástico do calção e fui para o “grid”.

E então vi algo que jamais havia presenciado em toda a minha história de provas de corrida de rua. O acesso à baia “B”, que delimitava os que como eu correriam em pace 5, fluía perfeitamente, graças ao controle gentil e efetivo de um funcionário.

Ele se certificava de que os ingressantes eram mesmo os que tinham a indicação exigida no número de peito. Não foi preciso pular cercados – ninguém, absolutamente ninguém, o fazia.

Mal formei e já dava o horário de largada, o que me poupou de ouvir a conversa fiada motivacional do locutor da corrida, categoria que eu incluiria na reforma trabalhista a fim de eliminá-la por completo do mercado.

O natural estrangulamento na avenida Pacaembu, que só tinha uma de suas mãos interditadas, não me obrigou a baixar demasiado o ritmo. Na verdade não mudaria muito até o fim da prova, ficando, calculo, na casa dos 4:50.

O primeiro cotovelo, para então a tigrada subir pela rua do Ponto Chic e ganhar o Minhocão, também suportou bem a muvuca.

Mais complicado estava mesmo correr pelo Elevado João Goulart, obra de Maluf, que amanhecia preguiçoso como a cidade fria.

(Quem amanhecia preguiçoso era o Minhocão, não seu executor e propagandista, cujas pílulas de alho e o pastelão de Capivari devem mantê-lo sempre ativo, vivo, chutando e subtraindo.)

Todos os cerca de 11 mil corredores se mantinham numa única pista, então eu preferi, junto com uns muito poucos, atravessar a canaleta e correr na via contrária.

Logo apareceu a rampa de saída da rua Helvétia, o acesso ao Minhocão mais utilizado como banheiro a céu aberto pelos inquilinos da São João, e o odor de quarta-feira de Cinzas de Carnaval baiano se fez notar.

Tomávamos então a estreita Barão de Piracicaba, exatamente nos fundos da Folha de S. Paulo, e tive um segundo de comiseração pelos proprietários dos carros estacionados na rua, quem sabe funcionários do matutino – se vararam a madrugada ali, teriam de ficar por mais algum tempo naquele local aprazível.

É bem verdade que a gráfica é em Alphaville e as trocas de clichês da edição de domingo já não são tão neuróticas, mas naquele segundo de lentas sinapses quis prestar minha homenagem silenciosa aos ex-colegas.

Já era a Duque de Caxias, e a assepsia da isolada praça Princesa Isabel, sede da Nova Cracolândia na gestão Jestor, pareceu-me digna de Rio de Janeiro em véspera de cúpula mundial.

Alguém havia persuadido a massa que habita o local, certamente com muita cortesia, sugerindo que talvez, quem sabe, fosse interessante que o amigo amanhecesse naquele domingo em local um pouco mais distante, já que uma maratona passaria por ali.

Rio Branco, Ipiranga e passávamos pela primeira vez pela esquina famosa. Sem baixar muito o ritmo, perguntei a um corredor se algo acontecia no seu coração. Ele falou, não invento, em “muita emoção”, mas não atinou à canção feita hino.

Era preciso dar a volta na praça da República e passar de novo pela Ipiranga com São João, e um corredor mais velho decidiu atalhar. Simplesmente se jogou no fluxo de volta, economizando uns 700 metros do percurso e talvez uns 4 minutos de seu tempo final.

Meninos, eu vi.

Entrávamos então no melhor momento da corrida, a passagem pelo Centro Histórico. Curiosamente, me fogem as imagens do largo do Paissandu e da Conselheiro Crispiniano, única maneira de chegarmos à lateral do Teatro Municipal, onde um quarteto de cordas executava deliciosamente Gardel no momento da minha passagem.

O fotograma mental também tem vazios no Viaduto do Chá e na Líbero Badaró, pois agora já estávamos no Largo São Francisco, numa lateral da praça da Sé e finalmente descendo uma rua de acesso à 23 de Maio.

A massa então se moldava às quatro pistas da via Norte-Sul, exclusiva dos corredores. Os 5K com elevação suave na primeira metade eram tão modorrentos quanto decisivos, já que eles marcavam a passagem exata da metade da prova para quem, como eu, optou pela meia.

Aproveitei para acelerar. Não levava relógio, mas sabia que meu tempo poderia melhorar bastante, e já tinha feito um lote razoável de entrevistas com minha câmera de ação hiperportátil que normalmente fica sem bateria nos primeiros 2K das maratonas.

Ao chegar ao Ibirapuera, com 13K ou 14K de prova transcorridos, parecia que o pórtico de chegada no Jóquei estava a metros de distância, não os 7K ou 8K que ainda restavam.

É que o Obelisco marca o início das maratonas de Essepê da Yescom, e eu já estive em duas delas – não tinha, a partir daquele ponto, de correr exatos 42,2K, mas tão somente um sexto dessa distância.

Pedaço de bolo, mamão com mel. Tava fácil, facinho, e eu já me sentia o pivete da música do Chico Buarque, mal dobrava a Carioca e por mágica chegava ao Borel.

Da roda de samba meio adormecida no Empurra-empurra eu já me via agora no meio da JK, tendo já ultrapassado o primeiro túnel.

O próximo seria muito mais longo, tem 1K, mas pegá-lo com 19K de corrida é bem diferente de fazê-lo aos 39K, como nas maratonas da matrona Yescom.

Apenas um DJ e uma luz na bifurcação de saída do túnel já faziam uma balada considerável, e eu efetivamente pensei que valeria a pena parar e dançar um pouco ali.

Ao sair do túnel, a calma foi abalada (balada, sacou?): reparei que não tinha mais meu número de peito. Adeus registro de tempo de prova e, muito pior, como lembrar onde estaria meu casaco – e a chave do carro largado perto do Pacaembu – no guarda-volumes?

Não me passou pela cabeça que alguns capitães-do-mato estariam com seus caninos à mostra esperando pelos corredores que, como eu, não tinham número de peito.

Um deles veio correndo com os quatro pés na minha direção.

– Ô, ô, ô, cadê o número, cadê o número?

Se me pegasse, nosso movimento não seria um pas-de-deux, e pelo menos um de nós rolaria no asfalto.

Naquela altura do campeonato, a menos de 100 metros do pórtico, com o torpor cerebral que a endorfina e o movimento repetitivo após 21K facultam, refleti que meu argumento não seria persuasivo o suficiente.

Arrisquei  assim mesmo dizer um “caiu”, mas abri um tiro digno do Juiz Voador Iberê Dias que deixou o tiozão vendido.

Passei pelo pórtico com o tempo de 1:41, longe do meu 1:38 anterior – se não fosse o tiozão, contudo, imagino que bateria no 1:45.

Na hora da medalha, levantar a camiseta como que a limpar o suor do rosto valeu-me o tão desejado objeto. Mas trata-se de um movimento arriscado, não aconselho, se forem tentar, ensaiem.

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Veio a medalha, mas não houve jeito de salvar meu casaco no guarda-volumes. Se alguém cruzar com uma Pajero prata placa FHZ-2265 entre o cemitério do Araçá e o estádio favor não ter ideias.

Ainda havia 11K entre o Jóquei e a minha casa, e ter encontrado um carroceiro em Pinheiros na metade do meu caminho valeu para me aliviar dos shakes dos patrocinadores.

Espero que não façam mal ao bom homem.

 

 

 

 

O

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

2 Comentários

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    Douglas Lima

    A prova em si, foi excelente….mas o que dizer da retirada do kit (lugar longe e com estacionamento a R$48) e da volta ao local da largada (ônibus da organização a R$20)? Para alguém que se inscreveu no último lote, foi retirar o kit e teve que pegar o tal ônibus, o custo da prova saiu um pouco elevado…
    Fazendo um paralelo:
    Maratona da Yescom 2018 = R$70,00 (inscrição antecipada, sem estacionamento para retirar kit ou ônibus para a largada).
    Maratona SP City 2018 = R$ 218,00 (inscrição antecipada R$150, Estacionamento = R$48 e Ônibus = R$20).
    Enfim, são ótimos eventos!!

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  2. Avatar
    fernando tostes

    Primeira vez que corri uma prova em sp.
    Impressoes parecidas com as suas com a diferença que não conhecia o percurso e até agora não sei exatamente os pontos em que passei. Fico muito concentrado e nem vejo os nomes das ruas, então tirando o parque do Ibirapuera nem sei o que eram os outros locais.
    Teve gente sim mudando de pelotão e eu fui um deles. Explico. Quando fiz a inscrição meu tempo era compatível com o C mas depois de 5 meses de treino tinha tempo pra B e fiquei com medo de muita gente na minha frente atrapalhando. Mandei email pra organização tentando trocar e não concordaram, tentei na hora de pegar o kit também não e na hora de entrar no bloco o staff não deixou. Esperei encher de gente e passei embaixo da fita me misturando aos corredores B. Estou errado? sim concordo, mas não ia viajar de longe e fazer um tempo pior por causa de transito (terminei a meia com 1:38’56” e na distancia meu garmin deu 21.4 km).
    Acho chato também essas locuções, fui com fone de ouvido ouvindo heavy metal até o km 14, depois guardei no bolso pra sentir melhor a vibração da prova.
    Horário de largada muito bom, não peguei sol em momento algum.
    Kit bom também, sem um monte de brindes inúteis e com boné e camiseta de boa qualidade. Na expo comprei uns botõezinhos pra pregar o número de peito por 10 reais que eliminam os alfinetes e funcionam muito bem.
    Pela altimetria que vi no mapa teria uma subida do km 9 ao 12 que achei que seria pior do que foi realmente. Me falaram que os túneis sufocavam também, não achei nada disso.
    Esperava passar o km 10 abaixo de 46′ e como não consegui deu pra recuperar mais a frente na descida e terminar no meu tempo previsto. Como na minha marcação deu 300 metros a mais e a linha de chegada vc só via quando estava bem perto nem teve como dar um sprint final.
    Fiquei contente de uma maneira geral. Ano que vem talvez volte dessa vez nos 42 km.

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