Danilo Balu, o demolidor dos mitos da corrida, fala ao JQC (parte 2)

Paulo Vieira

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AUTOR DO RECÉM-LANÇADO LIVRO O Treinador Clandestino, em que demole alguns mitos da corrida – como o papel protagonista da atividade na perda de peso –, o educador físico Danilo Balu reaparece em nossos pixels.

Esta é segunda parte da entrevista concedida ao editor deste pasquim. A primeira vai no link abaixo. Evoé.

O DEMOLIDOR DOS MITOS DA CORRIDA

JORNALISTAS QUE CORREM – Há em O Treinador Clandestino uma ilação entre o patrocínio que “inúmeras assessorias esportivas” recebem de [fabricantes de] bebidas esportivas e a defesa da estratégia de hidratação, vista nos estudos do seu livro como um “exagero”. Se bem entendo disso, esses patrocínios são permutas que poderiam ser dispensadas com prejuízos risíveis para as assessorias. Considerando que tais assessorias têm clientes corporativos importantes, com acesso a conhecimento e recursos, seria essa injunção comercial a razão primeira de se ofertar muita água/isotônico? Não seria mais lícito supor que se joga aqui numa possível prevenção de danos, evitando-se a suposta desidratação de alunos e o custo emocional e financeiro disso para os treinadores?

DANILO BALU – A sua pergunta parte de três premissas. A primeira é que os estudos são selecionados por mim. Antes eu fosse assim tão original… na verdade quando você para e analisa os estudos dos próprios fabricantes, vê a fragilidade das evidências nas quais se baseiam. Quanto à questão das permutas, você está em parte muito correto, é permuta pura. Ainda assim podemos dizer tranquilamente que a razão comercial é a primeira razão.

Isotônico é barato demais, mas o preço final deriva da percepção de valor do consumidor. Nem todas assessorias têm patrocínio, porém as que têm passam uma maior percepção de valor. Quem não tem busca oferecer produto similar para não ficar para trás.

Por fim, a gente tem de entender que o leigo, ainda que com boa instrução, não busca informação nas melhores fontes. Ele é leigo! A fonte é o rótulo do produto! Quantas vezes você verá um intervalo comercial sugerindo não beber isotônico? Qual revista ganharia fazendo isso? Todo mundo ganha é no consumo, não no contrário. Lembre-se o que mostram os melhores estudos controlados: as bebidas esportivas não têm capacidade de prevenir danos.

Aí voltamos na questão de você oferecer ao seu cliente aquilo que ELE quer, não necessariamente o que é melhor para ele. Manda quem pode, no caso o cliente, obedece a assessoria que tem juízo.

JQC – O médico Drauzio Varella costuma dizer que em nutrição há uma única certeza: a de que vive mais quem come menos. Nutrição é campo assim tão espinhoso, tão móvel, em que a certeza de ontem vira fumaça hoje? Imagino que cada caso é um caso, mas com quais certezas ou linhas gerais você trabalha na hora de prescrever uma dieta a um paciente?

BALU – A nutrição não é tão espinhosa, não… ela engatinha, mas ela só virou essa bagunça de ponta-cabeça quando passamos a achar que sabemos mais do que a natureza ou que milhões de anos de evolução. 

Sobre as minhas linhas gerais, nem o chamo de paciente… É como chamar de atleta aquele seu cliente que treina duas vezes por semana. “Paciente” remete a doente, e não atendo pessoas sob uso de medicamentos. Essa pessoa precisa mesmo é de médico. E um doente só vai precisar de um nutricionista porque médico não estuda nada de nutrição na faculdade, o que é um complicador.

Gosto do simples. Comida de verdade, poucas refeições (de três a menos), menos rótulos ou embalagens, restrição grande a grãos, farinhas, batata – a quase tudo que tenha muito amido. Corte radical de óleos vegetais (azeite pode, falo principalmente de óleo de soja, de girassol, de milho e canola. Jogue tudo no lixo mesmo), de açúcar (qualquer tipo) e de adoçantes. Refrigerantes, leite e suco entram todos juntos na mesma gaveta, sem exceção. Há outras orientações, lógico, mas com isso fica muito mais difícil errar. Boa nutrição é como correr bem, dá trabalho, mas é muito mais simples do que parece.

JQC – Por que a rejeição aos óleos e aos grãos?

BALU – As pessoas acham que quando comem alimentos integrais como pães ou farinhas, ou alimentos como arroz e batata, estariam ingerindo algo que por pensamento mágico não viraria açúcar no sangue. Ninguém tem de saber a fisiologia por trás disso – vergonhoso é que médicos, nutricionistas e profissionais que trabalham com diabetes não entendam de uma vez por todas que amido nada mais é do que uma cadeia de açúcar simples, só que bem menos doce.

Carboidrato é o nutriente que mais impacta nossa glicemia e nossa liberação de insulina, altamente relacionadas com ganho de peso. E carboidrato tem baixíssima densidade nutricional. A pessoa deve comer carboidratos de alta densidade nutricional. Alimentos ricos em açúcar ou amido, como os grãos, passam longe de ser boas opções.

Já os óleos vegetais de milho, soja, girassol e canola são invenções tortas desde o início e nunca foram testados antes de sua recomendação. Mais do que explicar por que não consumir, é sempre quem sugere que tem de explicar por que consumir. Um produto industrializado inventado na primeira década do século passado é correlacionado com o que há de pior na saúde. Hoje consumimos demasiado esse tipo de gordura em detrimento de outras. Esses óleos citados são o que de pior a pessoa pode ter no armário de casa, não é por uma questão de controle de peso, mas de saúde mesmo!

JQC – Por fim: a liberação da endorfina pode não ocorrer durante a atividade física? Quem tem padrões de treinamento mais exigentes precisa de níveis ainda mais exigentes de esforço para produzi-la? Interesso-me muito pelo tema pois falo sempre da necessidade de ter prazer na corrida como premissa para progredir em desempenho, volume e interesse pelo esporte e penso que a endorfina tem um papel nisso.

BALU – Não tem pergunta mais fácil? (risos) Algo da natureza humana é nos tornarmos mais resistentes àquilo a que somos expostos, ainda que em baixa quantidade, porém em alta frequência. Endorfina não é minha área de estudo, mas um corredor que é sempre exposto a ela precisaria de cada vez mais corrida (volume ou intensidade) para obter a mesma quantidade e/ou o mesmo prazer, a mesma excitação. Isso acontece em tudo.

A pessoa que odeia correr talvez nunca encontre esse sonhado nirvana. Acho que consigo tirar prazer tendo de ir ao supermercado, mas não jogando vôlei. A endorfina é importante, lógico, mas é ainda mais importante a pessoa procurar uma atividade que lhe dê prazer, por isso acho infrutífero e aborrecido aquele debate sobre qual seria o melhor esporte para a saúde.

O melhor esporte é aquele que te dá algum prazer, ainda que seja o vôlei. A obrigação assim vira um pouco mais de brincadeira.

CORRIDA É PRAZER, NÃO É GUERRA

CORRIDA NÃO É SACRIFÍCIO

CUNHA & BOLAÑO

CORRER, O NOVO LIVRO DE DRAUZIO VARELLA

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

Um Comentários

  1. Avatar
    Antonio Bellas

    Excelente, como tudo que esse cara escreve.
    Sou fa desde o inicio dos dois blogs, e acho, desde que o correria encerrou, as melhores resenhas de corrida do mercado editorial-web brasileiro
    Sou medico e estou sempre aprendendo com o Balu e oPaulo

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