Uma história de superação coletiva no Capão Redondo

Paulo Vieira

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TENHO A FELICIDADE de ter a dois, três quilômetros da minha casa dois locais de corrida bastantes bons para o serviço endorfínico. O Villa-Lobos, com sua trilha de 4K de cascalho aproveitado por pouquíssimos; e o famoso campus Armando Salles de Oliveira, a USP elle-même.

Não dá para reclamar: a eventual junção dois dois locais numa mesma jornada satisfaz até nego se preparando para ultramaratona.

Na periferia é um pouco diferente. No emblemático Capão Redondo, por exemplo, o principal parque da região não chega a ter a quinta parte da área do Villa-Lobos.

Mas a história do parque Santo Dias, cujo nome tributa um morador local, o operário morto pela polícia paulista em 1979, aos 37 anos, durante paralisação dos metalúrgicos paulistanos, torna muitos de seus usuários orgulhosos de correr e treinar ali.

O policial que disparou o tiro teve a condenação revogada um ano após a sentença, só para constar. O Ultraman Rodolfo Lucena fala com propriedade dessa história no link abaixo.

SANTO DIAS NA CORRIDA POR MANUEL, DO ULTRAMAN RODOLFO LUCENA

RODOLFO LUCENA E SUAS CORRIDAS PELA INCLUSÃO E PELA DEMOCRACIA

A RAINHA DA CORRERIA E DA CIDADANIA DO CAPÃO

O Santo Dias surgiu por pressão popular, com a desapropriação de grandes áreas pertencentes à Igreja Adventista do Sétimo Dia (que mantém a marca de alimentos Superbom) para a construção de uma COHAB.

Seus moradores tiveram a sensibilidade de ver naquela área remanescente de Mata Atlântica um lugar a ser preservado, a despeito da brutal demanda por moradia na periferia paulistana.

COHAB Capão Redondo/Foto: Paulo Vieira
COHAB Capão Redondo/Foto: Paulo Vieira

É no Santo Dias que Neide Santos e colaboradores tocam o Vida Corrida, projeto social que há quase duas décadas leva cidadania, corrida de rua e condicionamento físico para 500 pessoas, entre adultos e crianças, por ano.

No Santo Dias o povo tem de se mexer muito, e não apenas para correr, mas para cuidar do parque. Foi se mexendo, fazendo pressão, que veio a cobertura da quadra de basquete; a oficina de tênis; o aconselhamento médico permanente, além de outras melhorias. 

Neide Santos, idealizadora do Vida Corrida
Neide Santos, idealizadora do Vida Corrida/Foto: Paulo Vieira

Às vezes, quando problemas licitatórios, orçamentários ou mesmo de incompetência de gestão criam dificuldades absurdas como a falta de pagamento dos funcionários terceirizados de limpeza e segurança, são os usuários que assumem o lugar dos faltantes.

Num local em que os índices de violência são altos, a presença de consumidores de crack num determinado ponto do parque é até tolerada, mesmo porque, segundo os usuários do Santo Dias, a polícia não consegue debelar o pequeno fluxo.

Com tudo isso, constatar a quantidade de pessoas correndo pelas trilhas e o cuidado dos administradores com o patrimônio ambiental, como eu voltei a fazer esta semana, é revigorante.

Conversar com o administrador do parque, o engenheiro ambiental Clodoaldo Cajado, é um lenitivo para os dias gris e difíceis. Ele recebe qualquer um com simpatia e mostra o trabalho executado na preservação das espécies endêmicas, como a palmeirinha-prateada, ameaçada de extinção em São Paulo.

Foi difícil fazê-la medrar no Santo Dias, pois basta um besouro para impedir sua floração. Na Mata Atlântica paulista restam pouquíssimos exemplares. A maior parte foi dizimada pelo trecho sul do Rodoanel.

Eis uma boa história coletiva de superação, para quem gosta desse tipo de antologia.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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