Os novos mandamentos da corrida

Paulo Vieira

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DE TEMPOS EM TEMPOS, MAIS OU MENOS como o retorno de Saturno, sou tomado por graves pensamentos metafísicos, problemas evidentemente irresolúveis que mal consigo arranhar as premissas.

Nessas horas, este pasquim vem a reboque, e assim surgem compilações, sumas, concílios, antologias.

A de hoje atualiza aquela publicada há exatos dois anos, a do link abaixo, quando, mal saídos dos cueiros, já ambicionávamos a ultramaratona.

OS 10 MANDAMENTOS DA CORRIDA – VERSÃO 2014

 

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Com vocês, os Novos Mandamentos da corrida, versão 2016

∞1) NAO AMARÁS A CORRIDA SOBRE TODAS AS COISAS.

Há muitas coisas legais no mundo. A corrida é certamente uma delas, especialmente naquele domingo em que você sai a esmo por aí. Não é o caso de enumerar as outras, mas já que você insiste, vamos lá: filhos, Santo Agostinhofeijoada de boteco, doideira, Associação Portuguesa de Desportos, Bosch no Prado…

∞2)NAO TOMARÁS A CORRIDA POR ATIVIDADE VÃ, OU SEJA, APENAS PARA FAZER PROVA.

O grande ensinamento: há pessoas que só calçam seus tênis de 600 paus quando há uma prova despontando no horizonte, caso do Cesinha Santos, e temos, como almas tolerantes que somos, de amá-las e respeitá-las. Ainda que nossa vontade seja dizer: “Pai, perdoai essa tigrada, porque essa tigrada não sabe o que faz”. Reduzir a corrida a um conjunto de voltas mais ou menos aceleradas em torno do parque para cumprir uma planilha de treinamento com vistas à prova do dia xis é, no mínimo, perder a oportunidade de desfrutar do prazer de uma das coisas mais bacanas do mundo (ver ∞1)

∞3)GUARDARÁS DOMINGOS E TODOS OS OUTROS DIAS QUE ACHARES CONVENIENTE PARA A CORRIDA. 

O Ibirapuera pode estar lotado no fim de semana, mas a cidade, talvez em função disso, está lindamente semideserta. Aproveite-a. Do mesmo modo, uma vez no campo, aproveite essa estrada vicinal que você não sabe direito aonde vai dar. E nos dias úteis, essa conversa de “não tenho tempo” é, admitamos, para boi dormir. Meia horinha no pau, não dá? E dizer que não tem onde tomar banho para chegar minimamente decente no trampo, perdão, mas esse argumento caiu em desuso com o advento das Adidas Run Base  do Rio e Sampa.

∞4) NÃO ENLOUQUECERÁS E SÓ PENSARÁS EM CORRIDA, CORRIDA, CORRIDA.  

Já dizia dona Natália: “Nem tanto ao céu, nem tanto à terra”. Renunciar a todas as indulgências noturnas apenas para acordar cedinho para correr é, na nossa modesta opinião, uma estultice. Do mesmo modo, tomar a corrida como único e sacrossanto esporte pode ser a porta de entrada para lesões bastante incômodas. Há grupos musculares antagonistas que não são ativados nos treinos de corrida, e é muito desejável, mais do que isso, é muito necessário fortalecê-los. O ciclismo e o treinamento funcional vão bem nos dias sem corrida.

∞5) NÃO ROUBARÁS. 

A pessoa está perto de infringir várias regras quando precisa ser chamada às falas neste inciso (bastante desrespeitado, diga-se de passagem, pelo Maior de Todos), mas vamos lá: quando se é necessário lançar mão de expedientes escusos para melhorar tempo em provas de corrida de rua, uma atividade amadora por excelência, é  hora de pensar em ajudas mais drásticas. Meditação, análise, xadrez, clube de leitura…

∞6) NÃO LEVANTARÁS TESTEMUNHO NENHUM.

Será mesmo que seus amiguinhos do Facebook, Instagram e Twitter precisam desesperadamente saber que você colocou mais 5K na conta? E que esses 5K foram corridos a incríveis 29′? E tem outra: suor e smartphone não fazem muito bem para o bolso. Experimente o incrível prazer de voltar a ser você e só você. É bom.

∞7) NÃO COBIÇARÁS O TEMPO ALHEIO.

Nem deveríamos estar falando em tempo, relógio etc, mas, se essa conversa é inevitável, um conselho: controle seus instintos competitivos. Solte o corredor easy going que você nem desconfia que pulsa tranquilamente sob a Zona Altíssima de sua frequência cardíaca. Não tente ser mais rápido do que aquele f@*&#! que começou a correr outro dia e já cravou 44′ para o 10K. Você vai se sentir melhor.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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