Ele deu a primeira aos 53 anos

Paulo Vieira

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Exceto talvez o Tramontina, ele é o cara que mais fala para as massas a passar aqui pelo JQC. Diretor de programação de duas emissoras de rádio de muita audiência no Rio, a Nativa FM e a Super Rádio Tupi (com AM e FM), Ricardo Henrique sabe como ninguém que batuque na cozinha sinhá não qué.

Na varanda, quem sabe.

Trabalhei com o Ricardo, digo isso sem peias, no paleoceno, quando eu era divulgador da WEA discos – e como tal não acreditava que o disco Cabeça Dinossauro, de uma banda de nosso cast de nome Titãs, pudesse ser bem-sucedido; o Ricardo (e o Biasi, dê-se o crédito), por sua vez, era o sujeito que começava a transformar a Transamerica FM de uma rádio de música de elevador em potência nacional.

Para a Transamerica do Ricardo, eu, nosso heroi e o Lulinha, hoje mago das campanhas políticas, fizemos uns sketches humorísticos para não deixar a peteca cair depois que os caras do Planeta Diário, futuro Casseta & Planeta, pularam fora.

O primeiro deles eu redigi, e brincava com a proibição recente, vai vendo, do Jânio às motos no parque Ibirapuera. “O prefeito estuda agora proibir as motos no Simba Safári.”

Bom, agora que eu já me apresentei, vou deixar o Ricardo contar a história que ele quer contar, que é o relato de sua primeira maratona – a do Rio, final de julho, pós 7 a 1, ano passado, destarte. Vai, Brocador.

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Cheguei em casa batendo o queixo de frio, em leve estado febril. O Jairo Paraguassu, veterano maratonista, já havia dito: “Leva um agasalho, depois da prova você vai sentir frio”. Minha filha Stephanie preparou um prato de massa ao molho de tomate e todos em casa, solidários com minhas dores, me ajudaram a superar a náusea e a indisposição causada pelas 4 horas e 34 minutos de esforço, muito esforço.

Era também preciso agradecer aos meus mais novos amigos da equipe Filhos do Vento.

Foram eles que me ajudaram a conquistar a prova: Josué, que conheci num treino na orla da Barra, que me apresentou a Magda (minha coach, trainer, pacer), que me apresentou o Sandro, o Bigatello, o Antônio, a Marta, o Rogério…

A quilometragem, a missão, já levava ao peito
A quilometragem, a missão, já levava ao peito

O Rogério foi incrível. Depois de acompanhar a esposa na meia maratona, voltou de bicicleta e surpreendeu a mim e à Magda com garrafinhas de refrigerante quando chegávamos a Ipanema, e depois, como fosse pouco, com um miraculoso caldo-de-cana em Copacabana. Gratidão eterna ao Rogério.

O dia começou às 4h23, com um  whatsApp do amigo Francisco (da equipe Corridas da Rocinha) me desejando “Boa Sorte”. E foi por sorte! Eu havia colocado o despertador para às 4h, mas do dia seguinte, segunda-feira.

Pois é. Toda a minuciosa programação de alimentação, banheiro, etc., virou improviso. Já ia saindo de casa quando a Magda ligou: estava com o carro na portaria, me esperando. Deixamos a turma que ia fazer a meia no Pepê e fomos para o Pontal. Chuva fina, temperatura boa para correr.

Na fila dos banheiros químicos encontrei o Gilson (do Corridas da Rocinha), com quem havia feito um treino subindo o Alto da Boa Vista até o Parna Tijuca. Ele tinha despachado os seus géis junto com a mochila por engano e não tinha nenhum para a corrida. Peguei um dos meus dessa gosma necessária para a nossa reposição eletrolítica e dei pra ele. Era o da reserva técnica.

Às 7h30, em meio a muita farra, ouviu-se a sirene. Largamos desviando das poças, evitando molhar os pés. O trajeto tomou a direção da praia da Macumba e retornou rumo à Barra. Aproveitamos para um pit stop nos banheiros, mais vazios, hora em que a Magda quase perdeu os seus cartões – caíram, segundo ela, no “buraco negro”. Ela o enfrentou.

(Quem já ingressou num banheiro químico em dia de prova consegue imaginar bem a coragem dessa mulher).

O fluxo seguiu embolado até a Reserva. Aí as pessoas encontraram espaço para correr no seu pace. Foi ali que encontramos o casal Lipilson e Bianca. Ele, ultramaratonista recém chegado da sul-africana Comrades; ela, em só mais uma maratona. Como o nosso pace era o mesmo, seguimos juntos.

Rolaram então fotos do Ricardo (mestre da equipe Filhos de Vento), encontros com o Bigatello e Claudinha, bate-papos com a Magda. Me sentia bem, bem até demais. Chegamos por volta do 15K à Barra, o tempo ainda nublado, a temperatura na casa dos 19 graus. Às vezes tinha até brisa – não podia ser melhor.

Chegamos ao Pepê na meia. Com o trânsito bloqueado, vi um motorista meter a mão na buzina e segurá-la por 10 minutos, enquanto fazia gestos para os corredores, respondidos com vaias e “palavras de afeto”. Subimos o elevado do Joá, e a Magda resolveu que tinha que tirar umas fotos – inclusive de outros corredores, que pediam o favor a ela.

Passamos por São Conrado e começamos a subida da Niemeyer. Ali já encontramos muita gente andando e, não sei bem como, me senti ainda melhor. Descemos a ladeira para o Leblon a 5’35″/km. Leblon, Ipanema, refrigerante, e o casal Lipilson e Bianca, que havia parado para encontrar a filha, passou energizado por nós.

Chegando a Ipanema seguiu-se este diálogo:

– Aqui é a faixa de Gaza.
– Por que?
– Porque aqui começa a guerra.

Agora no 30K, ouço:

– Quebrei, cuida da Bianca.
Era o Lipilson andando e falando com a Magda. Fiquei preocupado!

Em Copa, vejo um cara deitado no calçadão ao lado da ciclovia cercado de pessoas que tentavam acudi-lo. Gaza se manifestava. Sorte o Rogério ter aparecido.

Chegamos ao 36K, a distância mais longa que eu já havia corrido na vida. E a Magda, com solenidade:
– Estamos entrando num mundo novo e desconhecido.

(Mundo novo pra mim, obviamente, não pra ela, ultramaratonista).

Entendi perfeitamente. Meu corpo, minhas pernas, meus pés, todos entendemos. Logo uma bolha se manifestou no meu quarto dedo do pé direito. Tudo estava alterado, e já não queria mais consumir gel, só água. E molhar a cabeça. Estava enjoado.

Havia frutas, banana, tangerina, biscoitos… não queria nada. Faltava tão pouco, menos de 6K. Saindo do Leme em direção ao Aterro, passamos o primeiro túnel, e a chuva passou a cair forte e gelada. No início foi bom, mas encharcou os pés e a bolha, bem a bolha, a bolha que se f#$@!

Entramos no segundo túnel, e a Magda:

– Agora já foi, chegamos. Para de olhar pro relógio, estamos no Aterro!

Faltavam ainda uns 3K, as dores eram imensas, os músculos das coxas pareciam que iam estourar. Entrei em transe. (Nota do Editor: Ricardo, seria algo similar ao que o Murakami relata ao correr a ultra de 100K do Japão?).

Só queria chegar, mas nada do pórtico, e passávamos por muita gente que andava ou se arrastava. Seguia no pace. Eu ia chegar, e ia chegar correndo no tempo desejado. Finalmente o pórtico de chegada apareceu, pessoas de ambos os lados urraram palavras de incentivo, gritos, uivos…

Mas nada me emocionava, eu era um homem com uma missão!

A 100 metros da linha de chegada, uma fisgada de câimbra na perna direita.

– Câimbra agora não!, disse pra mim mesmo. E a Magda, novamente:

– Ainda bem que só foi agora!

E assim como veio, ela, a câimbra, foi embora. Ergui os braços, cruzei a linha e dei stop no relógio. Tarefa cumprida, tinha corrido e completado em 4:34 minha primeira maratona. Aos 53 anos.

Soube de algumas pessoas que quebraram, um deles o amigo Francisco, e entendi que tive sorte de ter sido adotado por corredores tão experientes. O Lipilson, mesmo fora do pace, completou, chegando 10 minutos depois, e foi recebido pela Bianca.

No dia seguinte, cheio de dores, tentei digerir o que havia experimentado. A Maratona, assim, com M, é mesmo tudo o que dizem e mais alguma coisa que cada um experimenta a seu modo.

Já me perguntaram quando farei a próxima, e a única coisa que consigo formular é uma resposta à Santo Agostinho: “Hoje, não.”

Veja mais dois relatos da maratona do Rio aqui e aqui.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

Um Comentários

  1. Avatar
    Lucia

    Este Ricardo Henrique é D+ Amo muito o danadinho.
    Desejo Saúde e Sucessos para todos.

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