Minha história

Paulo Vieira

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Caetano Veloso decidiu parar de falar com a Veja quando um disco seu foi chamado pela revista de borocoxô. Novamente, e talvez sem saber, o baiano iluminava ao longe. Pois a partir daquele momento, ou um pouco depois, centenas, milhares de fontes também deixariam de falar com a revista. É bem verdade que todas teriam razões muito mais consistentes do que a do músico.

Pois eu espero que Gesu Bambino não deixe de falar comigo após ler este post.  E ele terá carradas de razões.

Afinal, sua morte será decretada ao final destas mal-traçadas.

Ou não.

Gesu Bambino, o sujeito que todos os amigos do JQC aprenderam a amar, o maluco que terminou a maratona de Nova York, seu primeiro e único 42K até aqui, em 3:34:32, um tempo histórico e assombroso para um rookie, o homem que triturava subidas como a de Castelhanos, em Ilhabela, ou a da Pedra Grande, na Cantareira, com a sem-cerimônia da cabra vadia rodriguiana, esse homem, amigos, esse homem, custa-me dizê-lo, não existe mais.

Gesu Bambino, como na imitação do Zé Bétio, está gordo, senhores.

Cabe mesmo chamá-lo, como alguns pouquíssimos desafetos já fazem à boca pequena, de Pança, Tonel, Jóquei de Elefante, Jô Soares. Rei Momo.

Mas Gesu traz o cascalho na memória da pele e dos músculos, e erra quem pensa, como eu, que será fácil tirá-lo da arena sem mais aquela. Semana passada, numa corrida comigo sob os inclementes 29 graus da manhã paulistana, na USP, ele já mostrou ao que veio. Verdade que era difícil seguir seu pace, digno de trote. Com tristeza, vi-me obrigado a ganhar distância, e não me arrependo, pois ele viria a refugar na Ladeira da Biologia, aquela mesma que ele vencia com o garbo dos príncipes árabes em seus tapetes mágicos.

Os seis, sete quilos a mais do plexo podem pesar-lhe, mas ele jamais irá desistir. Tem a tenacidade do Touro Indomável e a resiliência de um samurai de filme B. Seu réveillon, por exemplo, foi passado entre os mares de montanhas do sul de Minas, domando as léguas sem fim e a altimetria nervosa da Mantiqueira, de Heliodora a Baependi, de Cruzília a Sabe-deus-aonde-do-morro, mountain-bike sob as coxas descomunais e colheradas de Nescau direto do pote nas paradas.

Portanto, se eu quiser decretar a morte prematura de Gesu Bambino, eu que coma muito carboidrato. E que corra os 17K que me faltam para poder um dia chegar perto de esboçar o sorriso angelical da foto abaixo, plasmada na Grande Maçã naquele eterno 3 de novembro de 2013.

A força que nunca seca/Renata Chede - Runner's
A força que nunca seca/Renata Chede – Runner’s

Gesu Bambino não é candidato a nada, mas quando é, elege-se; e a partir daí, como na fórmula de Carlos Lacerda, já não há mais como pará-lo. Pois à própria morte ele responde incontinenti com a ressurreição.

Se a história parece um tanto extravagante, eis aqui uma moral tatibitati: engordou, acha que não dá mais pra coisa, pensa em largar tudo? Pois há cá um sujeito sorridente que eu acho que você deveria conhecer.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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