Toda nudez será celebrada

Paulo Vieira

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Foram três casos em onze dias. Sempre mulheres. Sempre na mesma cidade. Algo está no ar. Ou na água. Como dizia aquele personagem do Cacá Rosset, sei lá, mil coisas.

No começo da tarde de ontem, uma mulher muito bem proporcionada, com tênis de corrida e boné, corria free as a bird exibindo seu doce balanço a caminho do Palácio Piratini, em Porto Alegre.

Porto definitivamente Alegre/Foto: Fernando Teixeira(Reprodução)
Porto definitivamente Alegre/Foto: Fernando Teixeira(Reprodução)

No dia 30 de outubro, outra mulher correu nua, desta vez no Parque Moinhos de Vento, o Parcão, até ser interceptada e detida por policiais.

A pioneira/Foto Diego Vara (Reprodução)
A pioneira/Foto Diego Vara (Reprodução)

E na quinta passada uma mulher que se dizia lutadora de MMA andava full monty a passo acelerado sob a chuva na Terceira Perimetral.

Solitárias, as mulheres não participavam de provas em que a nudez fosse um imperativo, como esta nos Estados Unidos de que nosso colaborador Marcio Caparica falou aqui, nem tampouco obviamente estavam curtindo uma área de nudismo, como eu recentemente na maravilhosa praia de Tambaba, na Paraíba.

Já tem gente achando que tudo não passa de uma ação de marketing.

Para entender o que está acontecendo com as corredoras de Porto Alegre, falamos com a psicóloga Katia Varela Gomes, doutora em Psicologia Social pela USP, cujo trabalho de pesquisa envolve mulheres e seus “lugares sociais” e dependência de drogas.

Jornalistas que Correm – O que aconteceu em Porto Alegre para que três mulheres corressem nuas em dias diferentes?

Katia Gomes –  Há um conceito em psicanálise chamado contágio, que sugere que a repetição de comportamento pode estar relacionado a algum processo de identificação, processo nem sempre consciente.

JQC – Qual teria sido a motivação pessoal que as levou a correr (e a andar) nuas?

Katia Gomes – Tenho duas hipóteses. A primeira é uma busca de libertação das imposições sociais que podem ser traduzidas pelo controle do corpo feminino, entre outras coisas. Já pensando na corrida e na atividade física como práticas que geram prazer, poderíamos conceber essa experiência otimizada com a libertação do corpo nu. Mesmo com as conquistas alcançadas pelos movimentos feministas, essa libertação não é vivida pela grande maioria, especialmente de classes sociais mais baixas.

JQC – E a segunda hipótese?

Katia Gomes – Seria um outro caminho. Esse comportamento não expressa libertação, mas seu inverso: uma submissão ao controle do corpo feminino e sua exposição como objeto de desejo e consumo. A exibição do corpo nu, em espaço público, evidencia um corpo vivido como objeto, separado de um sujeito. Se na primeira hipótese penso num comportamento que poderia expressar uma tentativa de libertação, nesta segunda linha de raciocínio há na atitude delas uma subordinação aos controles sociais.

Se as gurias de Porto Alegre quiserem dar suas próprias versões, o JQC é todo pixels. A casa é vossa.

 

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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