Câimbras, suor e lágrimas

Paulo Vieira

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Ontem foi a Dagma, que estreava em maratona, hoje é a vez da Kauana. Ela fala aqui como foi completar sua segunda maratona do Rio. Spoiler: a meta de se tornar sub 4, fazer os míticos 42K em menos de 4 horas, ficou pras calendas – pra outro dia, melhor dizendo. A história de sua difícil preparação, para quem está chegando agora, está aqui e aqui.

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A correria pré-maratona foi bem maior do que eu pensava, por isso não consegui dar o meu último adeus a vocês antes de enfrentar os 42K. Falha minha, assumo. Pensei nisso e na necessidade de me “redimir’ de alguma forma enquanto corria. Há bastante tempo para pensar enquanto se corre uma maratona. Aos fatos.

O dia M começou frio, cinzento e bem úmido; eu, com o coração mais acelerado do que nunca. Chegara a hora de encarar pela segunda vez uma maratona. E com apenas 22 anos, vale lembrar. Não, não me considero nova para completar a prova rainha das rainhas, mas, sim, muito bem disposta a encarar meus próprios medos e anseios.

A Maratona do Rio de Janeiro é conhecida por atrair gente do Brasil inteiro, e talvez por isso seja tão diferente – e única. Vemos pessoas de todos os cantos, corredores das mais diversas aparências e gente que busca nos 42K alguma transformação interior. O percurso também fala alto: à beira-mar, parcialmente plano e muito, muito bonito.

Por me desencontrar de meus amigos, alinhei sem pressa lá atrás da multidão, que esperava ansiosamente a buzina da largada. Assim como foi no ano anterior, canalizei minhas emoções e rezas com tranquilidade e pedi muita garra para completar a prova.

Larguei em ritmo moderado, esperançosa por elevá-lo gradativamente. No começo, assim como em qualquer corrida popular, há certa dificuldade de se conseguir correr muito forte (a menos que você largue no “Quênia”), e eu sabia que também não era a hora de apertar: maratona, meus caros, é uma equação. A operação, aliás, é iniciada com semanas de antecedência, e avalia-se cada soma e subtração para  se chegar a um resultado satisfatório. Qualquer erro pode ser decisivo.

Logo notei que havia algo estranho com o meu corpo. Ainda no 8K não tinha encaixado o ritmo desejado e me preocupei. Senti minha panturrilha, e parei para alongar, imaginando que seria ela que me travava. Então voltei a correr, passei por muitos amigos durante o percurso e aí o inesperado fez uma surpresa: câimbras, muitas, muitas câimbras. Estava no 16K, ainda longe da passagem da meia. Senti pânico, minhas ideias deram um nó e temi não conseguir voltar a correr.

Fui socorrida por um carioca da gema gente boa que, além de me fazer voltar a correr, injetou uma dose de ânimo e coragem nessa jovem corredora que aos prantos estava. “Coragem, você chegou até aqui… Acredite, dá tudo certo”, disse. E eu acreditei, embora soubesse que aquela maratona não seria tão mole quanto eu gostaria.

Segui correndo, admirando a Cidade Maravilhosa e observando os corredores, às centenas, que paravam de correr. Muitos pensam que é o fim do mundo parar. Puro ego; se há dor, deve haver cautela. Burlar essa etapa só para terminar uma prova é prejuízo certo, e, convenhamos, sou muito jovem (e madura!) para parar de correr para sempre por infantilidade minha.

Chuvinha fina, Rio com um clima de São Paulo, e eu continuava firme e forte correndo. Até que…elas de novo. Insuportáveis câimbras que vieram duas vezes mais fortes. Estava no 34K, desesperada por terminar e aos prantos pela segunda vez. Fui para o canto esquerdo da rua e coloquei as mãos nas pernas, tentando entender o que acontecia. Desequilibrei-me e tentei me reerguer. Quase caindo novamente, vi, do lado oposto, uma ambulância.

Pulei esbaforida dentro dela, reclamando dor e atenção. Atendida prontamente, recebi mais uma dose de ânimo do enfermeiro, que mandou que eu limpasse as lágrimas e voltasse para a corrida dos meus sonhos. Concordei com a cabeça, manquei para fora da ambulância e pensei comigo mesmo que chegaria ao fim daquele negócio.

Reativei pernas, briguei com o coração que acelerava demais e fiz um pacto comigo mesma de cruzar a linha de chegada o mais rápido possível para que as dores não voltassem. Rodrigo Lucchesi, meu querido amigo, me esperava no 35K para me acompanhar até o final da prova. Vi no seu rosto alívio por me ver chegar. Também se preocupava com o meu tempo, bem além do planejado. Ali eu já batia em 3:40.

Disse a ele que o objetivo era apenas completar a prova. Rodrigo então me guiou, animou, apoiou. “Quem é a guerreira aqui, quem é?”, perguntava. Respondia com a boca seca, com dor nos olhos por conta da água que caía neles (sim, a chuva apareceu também): “Eu”.

(Nota do Editor: o editor mal se contém para escrever: Eu, porra, eu, não tá vendo!?”. Habita a alma do editor o espírito do analista de Bagé, perdoem-lhe)

E chegamos à parte final da prova, o túnel que liga Copacabana a Botafogo, e, logo à frente, o Aterro do Flamengo. Ao ver o pórtico da prova, chorei mais um pouco, agora sem nenhum sofrimento.

E assim concluí os 42K. Sorrindo, levando as mãos às pernas, agradecida a elas por aguentar o tranco e me conduzir à linha de chegada. Mais uma maratona para a conta, esta a prova mais difícil que eu já fiz. Não apenas pela extensão, mas por ter sido dolorosa do começo ao fim.

Muita câimbra e choro antes disso
Muita câimbra e choro até chegar aqui

Mas se a nossa mente comanda, a gente vai aonde quer. Bota mais 42K cheios de emoção e insanamente inesquecíveis no currículo.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

3 Comentários

  1. Avatar
    Vicent Sobrinho

    Você sabe minha opinião sobre MARATONA.
    De qualquer maneira digo a você:
    Parabéns! Você conseguiu e isso é o que importa.

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  2. Avatar
    Paula Sícoli

    Ah Kauana me identifiquei tanto com você!!! Também fiz essa maratona do Rio, mas foi minha primeira, falei pra minha mãe na manhã da maratona que a unica coisa que me pararia seria caimbra! Primeiro km de corrida minhas panturrilhas travaram num nó, na maior caimbra que eu ja tive, eu comecei a chorar, fiquei desesperada, alonguei e fui orando até o km 3 com muita caimbra e elas simplesmente sumiram!!! Cheguei no 30 e encontrei minha tia, eu tava chorando e ela gritava a mesma frase…você é uma guerreira bora!! E consegui completar minha primeira maratona!! Ameeeeei seu post:) um beijão e parabéns para nós!!!

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  3. Avatar
    JOSE LAURINDO PEREIRA

    PARABENS! AO LER O SEU RELATO MIM VEM A CERTEZA QUE APESAR DA DUREZA DA PROVA, COM PERSEVERANÇA E MUITA PREPARAÇÃO, PODEMOS SIM, COMPLETAR UMA MARATONA, REALIZAÇÃO DO SONHO DE PRATICANTES DE CORRIDAS DE RUA.

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