No país do futebol

Paulo Vieira

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Da Alemanha, ela manda lembranças. Isadora Pamplona*, cujo destino, exatamente como o de sua mãe andarilha, é viajar, fala como é viver em Bonn em meio a rios, florestas, planejamento urbano e ótimos lugares para correr. E sem ouvir muitas gracinhas sobre futebol, pois os caras, além de tudo, são respeitosos.

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Depois daquele fiasco histórico na Pampulha, dizer que sou brasileira aqui na Alemanha já não surte mais o mesmo efeito. Ao invés de ouvir uma lista de nomes de jogadores de futebol – que eu, sinceramente, desconheço –, recebo aquele olhar de comiseração, seguido de um súbito silêncio. Os tempos mudaram. O Brasil não é mais o país do futebol. E eu, apesar de brasileira, não sou mais “referência” no assunto.

Era sobre essas e outras mudanças que eu pensava enquanto corria no meio de uma floresta aqui em Bonn. Pera! Eu? Correndo? No meio de uma floresta? Em Bonn? Como foi que isso aconteceu? Quem visse aquela menina de 16 anos, meio “dark”, meio grunge (ou só meio desleixada, mesmo), aversa a praia, sol e mar, jamais diria que ela se tornaria uma “nutrition freak”, como costumo me definir hoje em dia.

Claro que não foi da noite para o dia. Não larguei o cigarro, a Coca-Cola e a batata frita e saí correndo adoidada pelo meio do mato. Diria, antes de mais nada, que foi o contrário. Tudo começou com uma corrida. Em outras palavras: primeiro saí correndo adoidada pelo meio do mato, e depois larguei, aos poucos, o cigarro, a Coca-Cola e a batata frita.

É incrível como uma pequena mudança na nossa vida pode desencadear tantas  revoluções. Foi correndo que me senti obrigada a largar o cigarro, por exemplo. Embora eu já tivesse oficialmente parado de fumar há algum tempo, volta e meia sempre “filava” o cigarro de um pobre coitado. Hoje já me sinto um pouco asfixiada na primeira tragada. Sim, sou um pouco “impressionada”.

Também foi correndo que aprendi a comer melhor. Só para ilustrar, ninguém consegue correr depois de uma feijoada, certo? Não que eu tenha abolido essa maravilha nacional por vontade própria – até porque nem vejo motivo para isso. Mas comecei a estudar mais as propriedades dos alimentos, prestar mais atenção no que eu como, ou seja, ingerir mais proteínas, menos gordura. Tudo para potencializar meu rendimento.

O parquinho do bairro de Bonn
O parquinho do bairro de Bonn

 

Foi correndo que descobri novos mundos. Perdi o medo de entrar numa rua estranha, num país estranho. Aprendi a dobrar esquinas sem ter a minima ideia do que me aguardava do outro lado. Aprendi a dar valor para parques, rios, florestas. Aprendi a gostar do sol – e também da chuva. E ironicamente, aprendi a não ter pressa.

Hoje, depois de descobrir que não existe isso de “lugar para correr” – basta querer  –, também descobri que existem, sim, locais capazes de transformar a corrida numa verdadeira meditação. Ontem, enquanto corria pela floresta, abriu-se um imenso prado à minha frente. Tudo era horizonte – essa palavrinha tão estranha para quem vive na cidade grande. Imediatamente, bateu aquela sensação de liberdade, de poder voar.

Foram muitas derrotas até chegar nesse prado. Muitas ressacas foram necessárias para aprender que saúde é um dos nossos bens mais preciosos. Hoje, sou aquela que corre por mais de hora, que come de forma consciente, bebe de vez em quando (ninguém é de ferro, né?) e que precisa necessariamente morar perto de um parque ou rio (Tietê não vale). E, por fim, aquela que não é mais referência em futebol. Involuntariamente, mas muito agradecida.

*Isadora Pamplona é jornalista, fotógrafa, mestranda em história, corredora aficionada, aspirante a iogue e aprendiz de bicicleta – porque nunca é tarde para mudar.

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Paulo Vieira

Influenciado pelo velho “Guia completo da corrida”, do finado James Fixx, Paulo Vieira fez da calça jeans bermuda e começou a correr pela avenida Sumaré, em São Paulo, na adolescência, nos anos 1980. Mais tarde, após longo interregno, voltou com os quatro pés nos anos 2000, e agora coleciona maratonas – 9 (4 em SP, 2 Uphill Rio do Rastro, Rio, UDI e uma na Nova Zelândia), com viés de alta – e distâncias menos auspiciosas. Prefere o cascalho de cada dia às provas de domingo e faz da corrida plataforma para voos metafísicos, muitos dos quais você encontra nestas páginas. Evoé.

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